Descrição de chapéu Livros Flip

Primeira biografia mostra devoção de Hilda Hilst a projeto literário

'Eu e Não Outra', sobre a homenageada da Flip, chega às livrarias nesta segunda (25)

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Hilda com seu gravador na Casa do Sol, década de 1970
Hilda com seu gravador na Casa do Sol, década de 1970 - Acervo pessoal/Instituto Hilda Hilst
Mariana Vick
São Paulo

A menina Hilda Hilst, que dava trabalho nos tempos do colégio católico em São Paulo, repetia sempre a suas professoras, todas freiras, que queria ser santa.

Lembrada na infância por conhecer o dicionário de cor, Hilda lia obsessivamente a biografia de Margarida Maria Alacoque, francesa do séc. 17 que se recusou a se casar para propagar o Sagrado Coração.

As freiras da escola, onde a escritora cursou o ensino fundamental até 1944, a desencorajaram. Hilda não tinha vocação nem dedicação suficientes —embora fosse certo que a menina, com histórico de advertências por roubar vinho e levar "A Origem das Espécies" à sala de aula, inevitavelmente se tornaria santa ou demônio.

Essa é uma das histórias que integram a biografia "Eu e Não Outra - A Vida Intensa de Hilda Hilst", escrita pelas jornalistas Luisa Destri e Laura Folgueira para a editora Tordesilhas. Esta, que é a primeira reunião em livro dos episódios da vida da autora de "Fluxo-Floema", chega às livrarias nesta segunda-feira (25).

A biografia, que cobre a trajetória de Hilda desde a infância em Jaú até a morte em Campinas, no interior paulista, mostra como a escritora se relacionou com o trabalho e construiu a própria imagem até se tornar a mulher de devoção quase religiosa à literatura.

Venerada nos últimos anos, mas quase desconhecida quando viva —seu primeiro livro é de 1950--, a homenageada da Flip 2018 produziu uma obra densa na poesia, na prosa e no teatro. Escreveu sobre o amor, a condição humana, o obsceno e o sagrado, obsessão que a perseguiu até a morte.

Diferente de uma biografia convencional, o livro de Destri e Folgueira pode ser entendido como um perfil biográfico --ou uma "coleção de episódios" relativos à construção da persona de Hilda, dizem as autoras.

A obra traz histórias sobre a relação de Hilda com o pai, seus namoros, a juventude boêmia e as brincadeiras com os sobrinhos na Casa da Lua —versão litorânea da Casa do Sol, em Campinas, onde a escritora, que projetou o espaçou, escolheu morar a partir de 1961.

As biógrafas destacam especialmente o período anterior ao surgimento de Hilda como figura pública, quando ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, conheceu Lygia Fagundes Telles e publicou "Presságio", seu primeiro livro, de poesia.

Os relatos inéditos da obra são resultado de pesquisa das autoras, que, além dos personagens com os quais Hilda conviveu, consultaram os cadernos e diários da escritora —fontes pouco lembradas inclusive no meio acadêmico, dizem Destri e Folgueira.

Elas iniciaram a pesquisa em 2004, pouco após a morte da escritora, com uma curiosidade imensa de saber quem era a mulher excêntrica de quem a imprensa então começava a falar.

O trabalho terminou em 2006, mas o texto foi se readaptando conforme se renovou o interesse por Hilda, iniciado com a reedição de sua obra pela Globo Livros e que atinge seu auge agora, com sua homenagem na Flip.

O livro não é indicado a quem busca uma chave para compreender a literatura de Hilda pelo viés biográfico —com os porquês de seus enredos ou que escolhas estavam por trás da construção formal de seus livros.

"Na verdade, a história mostra como Hilda fez o contrário: em vez de estimular que seus livros fossem lidos a partir da biografia, ela sempre quis que sua vida fosse vista através da obra", diz Destri. 

Mesmo sem explicações óbvias para a obra que Hilda construiu, a biografia cumpre o papel de mostrar como a escritora planejou e levou adiante o projeto de entalhar seu nome na literatura brasileira. 

Hilda Hilst quis viver a juventude à flor da pele para, depois, dedicar-se à literatura. "Queria que as emoções passassem todas por mim antes de me dedicar a escrever", disse a autora durante entrevista em 1986.

"O que me admira é que Hilda foi uma pessoa com um projeto", afirma Destri. "Ela decidiu que faria uma grande contribuição para a literatura brasileira e acreditou nisso até o fim. Viveu intensamente, recolheu-se e escreveu sobre aquilo com uma dedicação impressionante."

Para as autoras, "Eu e Não Outra" deve aproximar o leitor antigo da mulher por trás da literatura e incentivar os admiradores novos a irem além do folclore que se fez em torno da imagem da escritora.

HISTÓRIAS DE HILDA

A outra
Por pouco, Hilda Hilst não virou Hilda Cardoso. Seu pai, Apolônio, não acreditava que a criança era dele. Apesar de amado por Hilda, o homem podia ser violento com ela e sua mãe, Bedecilda

Kafka 1
Muito bonita na juventude, Hilda tinha uma estratégia para escapar dos assédios. Sempre que um pretendente tentava engatar conversa, a garota perguntava a opinião do rapaz sobre a literatura de Kafka

Kafka 2
A estratégia deu errado quando Hilda a usou para o objetivo inverso: em 1957, numa viagem a Paris, a jovem foi atrás do ator Marlon Brando em um hotel. Para não ser dispensada, fingiu ser jornalista e perguntou a ele o que pensava do escritor. "Não vou pensar no senhor Kafka", teria respondido, irritado

Kafka 3
Interessada pelo mistério da morte, a escritora, nos anos 1970, quis tentar captar "vozes do além". Todos os dias, grudava-se no gravador. "Kafka, você está me ouvindo?", perguntou um dia, sem resposta

Eu e Não Outra - A Vida Intensa de Hilda Hilst

  • Quando Nas livrarias a partir de segunda (25)
  • Preço R$ 40 (232 págs.)
  • Autoria Laura Folgueira e Luisa Destri
  • Editora Tordesilhas

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