Descrição de chapéu
Moda

Alta-costura subverte moda de rede social ao relembrar o que é luxo

Diversidade racial e ode às liberdades permeiam criação de estilistas, que recuperam aspectos da exclusividade

São Paulo

Se os fundamentos básicos do luxo são a escassez do objeto de desejo, sua dificuldade de execução e o nível de criatividade aplicada, parece certo dizer que boa parte da moda vendida como exclusiva está fora desse universo.

Num momento em que jovens são impelidos a comprar até escova dental "grifada", vítimas de uma overdose de logos e mensagens estampadas em camisetas de US$ 1.000 (ou R$ 3.870), é na alta-costura que marcas exercitam os motivos que as tornam "grifes de luxo".

A última temporada francesa, que acabou na semana passada, evidenciou a separação da peça instagramável, adequada ao caça-likes em redes sociais, e o luxo que repensa a beleza, oferecendo roupas de execução complexa e, principalmente, desafiando normas de comportamento —espinha dorsal da moda.

Logo no primeiro dia, a homenagem ao costureiro Hubert de Givenchy, morto em março, feita pela grife que leva seu sobrenome, relembrou os códigos de elegância hollywoodiana dos anos 1950 e 1960.

Havia um trabalho minucioso de forma, com linhas precisas em vestidos longos de ombros descobertos, costas recortadas e fluidez. Nada lembrava a confusão de elementos das vitrines do prêt-à-porter (roupa feita em série), porque ali o que importava era a técnica, o vestido perfeito que só a alta-costura, feita sob encomenda no próprio ateliê, poderia alcançar.

A relação entre Givenchy e sua musa, Audrey Hepburn, ficou mais evidente no final do desfile, com uma releitura do tubinho preto da personagem Holly Golightly, de "Bonequinha de Luxo" (1961). Nas mãos de Clare Waight Keller, estilista do vestido da última noiva real, Meghan Markle, a peça ganhou um capuz preto.

O início de julho na moda foi mais sobre o potencial dos grandes estilistas do que sobre as marcas para as quais desenham. A Dior de Maria Grazia Chiuri, por exemplo, apresentou peças que à primeira vista soam assépticas. Mas ela desafiava os olhos a perceber o tule feito à mão, o vestido cuja parte de cima parecia um xale e suas muitas camadas de transparências que, unidas no look, escondiam o corpo.

Negras, orientais, peles queimadas de sol. As tops escolhidas por Chiuri ilustravam uma diversidade étnica na semana de alta-costura, mais colorida do que as anteriores.

Em fevereiro, Miuccia Prada havia dado o tom quando escalou uma negra para abrir seu desfile na semana de moda de Milão. Foi a primeira nos últimos 12 anos.

Karl Lagerfeld subiu o tom quando colocou a top sudanesa Adut Akech, espécie de Naomi Campbell da nova geração, para o look final da Chanel.

O vestido de noiva reteve todos os detalhes de aplicações de veludo em formato de folhas, as lantejoulas costuradas nas extremidades das peças e os tecidos ricos da coleção.

Em resposta à ideia de que o "streetwear" (moda urbana) deve ser o norte de coleções vendáveis, Lagerfeld tira o cinza concreto das calçadas para tingir roupas. Ele lembra que, na alta-costura, a rua nunca será o tema central da criação. Questionamentos, talvez, como os de Jean-Paul Gaultier.

A eterna "criança terrível" da moda francesa criticou o cerco de Paris aos fumantes, que podem vir a ser proibidos de fumar em praças, numa coleção com bolsos para colocar cigarros, narguilés e isqueiros.

No exercício de explorar as liberdades individuais, Gaultier resgata o movimento "Free The Nipple" (liberte o mamilo, em tradução livre), iniciado em 2016, colocando um casal de peito aberto.

A placa de plástico que cobre a pele descoberta serve como aviso de que se deve olhar, mas não tocar.

E também sintetiza de maneira quase genial o significado do verdadeiro luxo explorado na temporada: tudo o que se usa para cobrir o corpo deve falar sobre a pessoa e para a pessoa, e não servir de espelho da maioria inebriada por tendências padronizadoras.

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