Descrição de chapéu

Documentário vislumbra rica história do Brasil no período ditatorial

'Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava' surpreende através da pornochanchada

Inácio Araujo

Histórias que Nosso Cinema (não) Contava

  • Quando Estreia nesta quinta (23)
  • Classificação 16 anos
  • Direção Fernanda Pessoa

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A proposta de “Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava” está no título. Está, em especial, nesse inquietante não colocado entre parêntesis. Afinal: contava ou não contava? Aí é que está: contava e não contava. Veremos como.

Para começar, estamos no mundo do que ficou chamado de “pornochanchada”. O nome designava o cinema popular que vigorou entre os anos 1970 e 1980 e, claro, visava estigmatizá-lo. Para o establishment cinematográfico (entre realizadores e críticos) tratava-se, basicamente, de uma diversionismo em que mulheres com pouca roupa eram usadas como atrativo em filmes (comédias sobretudo) de pouco valor estético e, quem sabe, destinadas a fazer a população esquecer que vivíamos em uma ditadura.

O que a formidável pesquisa de Fernanda Pessoa produz é algo um tanto diferente. Não se trata de discutir o valor de alguns desses filmes (os quatro de Antônio Calmon, para ficar em um caso apenas, são ótimos). Não é isso. O que Pessoa busca (e consegue) demonstrar é que, através desses filmes podemos vislumbrar uma riquíssima história do Brasil no período ditatorial.

Claro, estamos em um filme de montagem. Claro, a autora garimpou extensamente até chegar ao material que reuniu. Também é verdade que teria podido ir mais longe se fosse mais fácil negociar direitos autorais. Mas essa é outra história a ser contada.

A que está no filme surpreende. Então, daqueles filmes que todo mundo achava feitos por completos idiotas ou, pior, comerciantes inescrupulosos, pode-se extrair uma história nacional?

Bem, não é exatamente a história que se pode encontrar nos livros. Mas está tudo lá. O golpe de Estado aparece, algumas prisões etc. Mas não é o essencial, já que o gênero se afirma ao longo da década de 1970. E ali se encontram, sim, traços de uma história política (censura, violência, tortura), econômica (transações pouco lícitas, exploração religiosa, industriais estrangeiros duvidosos se instalando no país), sexual (o reconhecimento do desejo feminino, junto com o machismo), questões gerais de costumes (racismo, divórcio, hipocrisia, sadismo político ou não).

Em resumo, lá estão a boçalidade, o farisaísmo e outros aspectos da vida nacional que surgem pouco a pouco: negociatas, inflação, crises econômicas, drogas, desemprego, anistia. Eram filmes quase sempre baratos e não raro deficientes em vários aspectos. Vistos hoje, servem para compor uma história sem aparas, cheia de arestas, desarmônica da vida nacional em determinado período.

Uma história que, diga-se, o Brasil não aprecia muito contemplar: essa história é contada por filmes dirigidos a um público popular e fartamente aceito por ele. Podemos ver ali em diversos momentos como uma população modesta representava ora a si mesma, ora às elites.

Se “Histórias que nosso... etc.” chama a atenção para uma classe de filmes à qual se deu pouca importância crítica na época, apesar de seu êxito (importante exceção foi Paulo Emilio Sales Gomes, diga-se), é preciso convir que um filme de montagem permite juntar peças dispersas em muitos filmes e em muitos anos e reuni-las num único exemplar.

Isso é tão certo quanto a importância deste filme para o conhecimento do cinema brasileiro, daquilo que contou nas entrelinhas ou que contou mas não percebemos (nestes filmes ou em outros). Na mesma medida, “Histórias...” ilumina a importância e a necessidade da existência do cinema num país que tenha a pretensão de se autoconhecer. E quanto menos oficial for essa história, melhor.

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