Descrição de chapéu

Exposição de desenhos revela o manancial infinito de Tunga

Mostra em cartaz no Museu de Arte do Rio revolve o legado do artista como material vívido e dinâmico

LAURA ERBER

Tunga - O Rigor da Distração

  • Quando Ter. a dom.: 10h às 17h. Até 4/11
  • Onde MAR (Museu de Arte do Rio), pça. Mauá, 5, Rio de Janeiro
  • Preço R$ 20. Grátis às terças

John Berger dizia que a atividade mais profunda dentre todas é desenhar. A exposição "Tunga - O Rigor da Distração" é uma confirmação exuberante dessa ideia.

Com curadoria de Luisa Duarte e Evandro Salles, a exposição que pode ser visitada no Museu de Arte do Rio até novembro abrange trabalhos produzidos entre 1975 e 2015, oferecendo contato privilegiado com uma dimensão menos conhecida do artista, morto em junho de 2016.

Sem pretender ser retrospectiva em sentido estrito, a exposição no entanto permite uma visão aprofundada da trajetória de Tunga. Lembra-nos inclusive que sua primeira exposição individual, "Museu da Masturbação Infantil", aconteceu no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1974 e consistia precisamente em uma série de desenhos.

Segundo declaração do próprio artista à época, seus trabalhos investiam contra as repressões simbólicas e imaginárias, "contra o comércio do desejo em nossa sociedade".

A exposição aborda o desenho em Tunga não simplesmente como técnica ou obra acabada, mas como um método de pensamento visual e um manancial capaz de explicitar seus diferentes processos plásticos —ou teóricos, como defendia o artista.

O título enfatiza a articulação solidária entre rigor e a distração numa obra cujo fascínio está ligado à energia erótica que atravessa os corpos, contagia e abre as formas, encetando processos metamórficos infinitos.

Nas articulações propostas pela curadoria percebe-se que o desenho foi para o artista tanto um gesto inaugural, um laboratório de pesquisa topológica e morfológica, quanto um espaço residual, de acolhimento e transformação de todo um imaginário mítico-psíquico latente, mas em geral reprimido.

O amplo e heteróclito conjunto de obras —incluindo precioso material inédito, documentos, estudos, filmes— foi disposto de modo a sublinhar ecos e elos entre desenho e a produção escultórica e performática ("instaurações") por meio das quais o artista se tornou conhecido. Assim, as tranças que comparecem em diversos trabalhos de Tunga passam a serem vistas também como arquitetura de linhas e, portanto, desenho.

Outro eixo condutor da exposição é a relação de Tunga com as palavras. Entre desenho e palavra circulam formas fluidas, irredutíveis ao visível e nunca esgotáveis pelos discursos ou interpretações. Desenhar era também perseguir a dimensão erótica do pensamento, sua morfologia imprevisível e sedutora, de certo modo também mítica.

Em entrevista exibida no espaço expositivo, o artista fala de duas práticas do desenho em seu percurso, uma proveniente da lógica arquitetônica, com desenhos de alta precisão que tornam visível o que se pretende tornar concreto; a outra estaria mais próxima de uma força do imaginário, imagens que não são projetos de obras, nem se querem semelhantes ao que já existe no mundo.

Suas linhas vão da visceralidade dos primeiros desenhos ao etéreo da série "Anjos Maquiados", de 2011, feita de zonas erógenas em tons de rosa e vermelho não completamente visíveis, ou a delicadeza extrema de "Quase Autora", de 2009, aquarelas que parecem querer dar a ver o momento de nascimento da imagem. Tunga sabia nos reconectar com o fascínio dos começos e com o enigma do que nunca termina.

Diferentemente de muitas exposições póstumas que se contentam com o apelo aurático do luto ou com a transformação do espólio em relicário, esta revolve o legado de Tunga como material vívido e dinâmico.

Laura Erber
É escritora, crítica e professora de teoria e história da arte da Unirio
 

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