Sem revelar identidade, americano mascarado pinta mural em São Paulo

Com 26 mil seguidores no Instagram, BiP diz que anonimato lhe dá liberdade para produzir sua arte

O grafiteiro BiP

O grafiteiro BiP Rafael Roncato/Folhapress

Isabella Menon
São Paulo

Sem gravador. Sem fotografar o rosto. Sem revelar a idade. Essas foram as exigências do anônimo grafiteiro BiP para receber a reportagem em um prédio entre a Avenida Rio Branco e a Rua Vitória. 

Ali, no centro de São Paulo, o americano que usa o codinome BiP —“Believe in People” (acredite nas pessoas)— pinta a figura de um menino que ocupa uma área de 2.000 m² numa das paredes de um edifício. Para isso, usou 500 latas de spray e 40 galões de tinta.

Sua presença chama a atenção da vizinhança. “Na primeira vez que o vi, levei um susto. Tinha um homem mascarado no meu prédio”, disse uma moradora. Uma funcionária da farmácia vizinha comparou os trajes de BiP aos de um astronauta. “Ele anda por aí com uma roupa cheia de plásticos”. 

BiP explica que se mantém anônimo a todos, à exceção de um amigo e do empresário. À Folha, o grafiteiro tira a máscara durante a entrevista. De boné e capuz, não parece passar dos 30. É um americano comum, branco de olhos morenos. Se sua história virasse filme, poderia ser interpretado pelo ator John Krasinski, da série “The Office”, com quem guarda semelhanças. 

O artista veste um macacão com um moletom por baixo, que um dia pode ter sido branco, mas que agora está todo tingido pelos resquícios de tintas que utiliza.

Ele diz que a vida como desconhecido lhe traz tranquilidade e cita o escritor Jack Kerouac, “ser anônimo no mundo de homens é melhor do que a fama no paraíso”. “Gosto de poder ouvir opiniões sinceras, sem que as pessoas saibam que é você quem fez aquela arte”, diz BiP. 

Além disso, muitos dos pequenos lugares em que ele pinta não são pré-aprovados por prefeituras —o que não é o caso da grande obra que está prestes a concluir. Assim, a condição de anonimato facilita caso alguém o pegue pintando em locais proibidos. 

Para ele, o mundo das artes se divide em dois tipos. O primeiro seria o de Andy Warhol, “um exemplo de artista de fábrica, que perguntava aos amigos quanto pintou em um dia”. O outro é aquele em que BiP se enquadra, trabalhando devagar e sozinho “para sentir todos os detalhes do desenho”.

Nascido em Nova York, ele cresceu no bairro do Bronx, um dos mais pobres da cidade. Ali, percebeu como grafites têm sentido para quem passa por um muro. “Não me importa se olharem por segundos. Fico feliz só de ter feito parte do trajeto de alguém.” 

Pichações, por vezes relacionadas ao vandalismo, são uma forma de expressão de jovens na opinião de BiP. “Garotos que se sentem sozinhos deixam suas marcas no mundo, como se fosse um grito, uma forma de dizer que existem.” 

Ele já pintou mais de cem murais em países como Rússia, Chile e Taiwan. Os desenhos vão de personagens da Disney a personalidades históricas, como Anne Frank, e figuras do cinema, como Edward Mãos de Tesoura. Mas ele gosta mesmo é de retratar pessoas que tenham ligação com o lugar em que trabalha.

 

Em São Paulo, ele reproduziu uma fotografia de Dudu, um menino de 10 anos que ele conheceu próximo ao metrô República, enquanto dançava imitando Michael Jackson. Na pintura, o garoto aparece comendo pétalas de rosas.

Vendo seu trabalho, não há como não pensar nas semelhanças com o também anônimo grafiteiro britânico Banksy. BiP ri e diz que “ama o artista”, mas seus heróis são Osgêmeos e o italiano BLU.

O sustento vem do patrocínio de uma marca de spray e de outras rendas, como a venda de quadros. “Muitos reclamam do valor, que chega a US$ 10 mil [cerca de R$ 39 mil]”. Ele diz que o preço se deve ao fato de fazer poucos exemplares para ter tempo para se dedicar ao que realmente ama, os grafites. 

O artista realça a importância das redes sociais para o trabalho, já que não é representado por uma galeria ou grande marca como Nike ou Adidas —que já procuraram por BiP. 

No Instagram, ele tem 26 mil seguidores. A quantidade pode parecer pouca, se comparado aos 1,1 milhão que seguem Osgêmeos, mas é o suficiente para lhe dar visibilidade. 

“As redes sociais trouxeram liberdade para nós, artistas. Sem estar atrelado a uma galeria, me sinto livre para desenvolver minha arte, que considero algo muito político”, diz.

Porém, nem tudo são flores, como as rosas que ele pinta no prédio. A vida de anônimo tem suas consequências. 

Ele relembra um relacionamento que acabou. “Ela era uma menina incrível, mas começou a me questionar porque eu saía no meio da noite e com quem eu falava no telefone. Uma hora ela percebeu que eu estava escondendo algo e foi embora. Não a culpo.” 

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