Por algum tempo, Neil Simon, que morreu aos 91 anos neste domingo (26) por complicações de uma pneumonia, foi saudado como o dramaturgo mais popular do mundo, o mais encenado, depois de Shakespeare.
Foi, como lembraram atores seus depois da morte, "o rei da Broadway". Ou, no dizer da organização que distribui o prêmio Tony, que ele venceu quatro vezes, "um dos deuses da Broadway".
Suas comédias fizeram a festa do distrito teatral de Nova York ao longo de quase meio século e, em pelo menos uma temporada, de 1966, quatro de seus textos foram produzidos ao mesmo tempo na cidade.
No final da carreira, porém, até mesmo ele se viu sufocado pelas produções agigantadas, numa cena teatral tomada por estrelas de Hollywood, e foi obrigado a estrear fora da Broadway.
Simon sempre foi, com esquetes, farsas e comédias, um dos grandes nomes a levar adiante a tradição do humor judaico nova-iorquino, por sua vez derivado do europeu no século 19.
Um humor autodepreciativo, muitas vezes em primeira pessoa, não voltado a atacar o outro. Sua trajetória e ele próprio foram temas de muitas das peças que escreveu, em parte levadas depois para o cinema.
Relatam seu início com o irmão Danny (1918-2005), ele também autor cômico, desde a infância em família relativamente pobre, no Bronx e depois em Washington Heights.
No que ficou conhecido como trilogia B, nos anos 1980, alcançou finalmente aquilo que reclamava nunca obter, o reconhecimento crítico.
"Brighton Beach Memoirs", "Biloxi Blues" e "Broadway Bound" têm como protagonista seu alter ego Eugene Jerome, que ao lado do irmão mais velho, Stanley, enfrenta a crise familiar dos pais, depois o serviço militar e, por fim, a saída de casa em busca da carreira de autor em Manhattan.
A mãe, personagem mais tocante da trilogia, termina em casa, sozinha.
"Biloxi", pelo humor incessante e pela honestidade, foi a mais festejada, a começar por seu algoz costumeiro no New York Times, o crítico Frank Rich, "o açougueiro da Broadway", mas as três mesclavam comédia e drama como o autor não havia conseguido até então.
Com protagonistas e ambientação semelhantes, "Lost in Yonkers" garantiu para Simon o Pulitzer de dramaturgia em 1991, um prêmio pela carreira, mais do que pela peça, separadamente.
"Broadway Bound" acaba com Eugene saindo de casa, mas não para o teatro, e sim para o rádio —cujas grandes emissoras também se situam naquela área da cidade.
Neil e o irmão Danny começaram pelo rádio, mas fizeram história ao serem contratados para a equipe do humorístico de televisão "Your Show of Shows", em meados dos anos 1950.
Na mesma sala do 11º andar do prédio da NBC, em ambiente de concorrência, perto de dez redatores, entre eles Mel Brooks, Woody Allen e Carl Reiner, escreviam seus esquetes, reescreviam os dos colegas e brigavam para tê-los incluídos no programa.
Ao vivo, alguns eram derrubados já com o show em andamento pelo diretor Max Liebman e pelo protagonista Sid Caesar.
É talvez o grupo de redatores mais celebrado da televisão americana, então em seus primórdios, muito anterior a "Saturday Night Live", programa que é abertamente inspirado em "The Show of Shows".
Parte desta guerra de gênios cômicos, quase todos judeus, foi parar na comédia "Laughter on the 23rd Floor", de 1993, talvez seu último sucesso. Nela, Simon ressurge como o personagem Lucas Brickman, Caesar como Max Prince, e Brooks como Ira Stone.
Brooks e Allen partiram para o cinema; Simon fincou pé no teatro, começando por escrever esquetes junto com o irmão para um espetáculo de 1955, "Catch a Star!".
Sua primeira comédia para a Broadway, de fato, foi "Come Blow Your Horn", em 1961. Já nesse texto, que foi reescrito inúmeras vezes, Simon tratou de um jovem que deixa a casa dos pais para o apartamento do irmão mais velho, em Manhattan.
Seguiram-se as comédias leves "Barefoot in the Park" (1963) e "The Odd Couple" (1965), ainda mais bem-sucedidas, a ponto de serem adaptadas pouco depois por Hollywood com os mesmos protagonistas da Broadway, respectivamente Robert Redford e Walter Matthau.
A primeira, que em português se chamou "Descalços no Parque", aborda os conflitos superficiais de um jovem casal. A segunda, "Um Estranho Casal", trata das diferenças entre dois companheiros de apartamento, um bagunceiro, o outro obcecado por ordem, situação que inspirou também um programa de TV popular na década seguinte.
A fórmula de réplicas breves, chamadas "one-liners", e choques de comportamento se estendeu até a trilogia B, por comédias de sucesso como "Plaza Suite", "The Sunshine Boys" e "The Goodbye Girl", ao longo da década de 1970.
Em 15 anos, até 1980, segundo o NYT, suas peças somaram mais de 9.000 apresentações.
Neil Simon, que sofria do mal de Alzheimer, estava em seu quinto casamento, com a atriz Elaine Joyce. Deixa três filhas, três netos e um bisneto.
DOS PALCOS PARA AS TELAS
1- Descalços no Parque (1967)
Após o sucesso na Broadway, Simon adaptou ‘Barefoot in the Park’ para um roteiro de cinema. A trama gira em torno do casamento tumultuado entre um advogado certinho, vivido por Robert Redford, e sua mulher louquinha, interpretada por Jane Fonda. Teve Mildred Natwick indicada ao Oscar de atriz coadjuvante.
2- Um Estranho Casal (1968)
Jack Lemon e Walter Matthau vivem às turras ao se verem obrigados a dividir um apartamento na versão em filme de ‘The Odd Couple’. Indicado ao Oscar de roteiro adaptado —pelo próprio Simon. O filme teve uma segunda parte que, no Brasil, recebeu o título de “Meu Melhor Inimigo”.
3- A Garota do Adeus (1977)
Após ser largada pelo namorado, uma dançarina se vê apaixonada por mais um ator (Richard Dreyfuss, vencedor do Oscar pelo papel), mas teme ser abandonada outra vez. Na Broadway, o texto se chama ‘The Goodbye Girl’.
4- Metido em Encrencas (1988)
A versão cinematográfica de ‘Biloxi Blues’ trata de grupo de jovens recrutas que se preparam para a Segunda Guerra Mundial num campo de treinamento no interior do Mississippi.
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