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Livros

'O Mundo Perdido', de Conan Doyle, é ótimo para pegar gosto pela leitura

Adultos não sisudos também vão gostar de obra situada na Amazônia

Ilustração do livro

Ilustração do livro "O Mundo Perdido", de Arthur Conan Doyle, da Editora Todavia Divulgação

São Paulo

A viagem é boa parte da obra e os conflitos entre os personagens, alguns cômicos, dão o ritmo. Um jornalista na expedição narra a odisseia ao editor por cartas, enviadas à civilização por índios. Ao final, todos participam de um genocídio entre índios e homens.

Nos EUA, "O Mundo Perdido" foi inspiração para a segunda parte de "Jurassic Park", livro de Michael Crichton (1995) e filme de Steven Spielberg (1993), nos quais os americanos chegam a uma ilha em que dinossauros clonados vivem livremente.

O livro de 1912 não se passa numa ilha, e sim na nossa floresta tropical, inacessível no século 21, imagine há cem anos. Começa assim: "Relato das maravilhosas aventuras recentes do professor George E. Challenger, lorde John Roxton, professor Summerlee e do sr. E.D. Malone da Daily Gazette".

Só por esse subtítulo dá para sacar duas coisas. Pelo estilo da escrita, parece que estamos diante de um livro juvenil. E estamos mesmo. Assim como a vasta bibliografia de Sherlock, "O Mundo Perdido" é um livro ótimo para a garotada que está aprendendo a curtir literatura. Ou para adultos não sisudos, é claro, o que não há muito por aí.

Com a palavra, sir Arthur: "Minha ambição é a de fazer pelos livros para garotos o que Sherlock Holmes fez para as histórias de detetives". É o que conta o tradutor Samir Machado de Machado no posfácio da edição da Todavia. Doyle teria dito isso ao seu editor, mas chegou tarde.

Júlio Verne já tinha se refestelado com esse público 50 anos antes —e manteve a coroa. "Viagem ao Centro da Terra" (1864), do francês, já era estrelado por animais pré-históricos. Por outro lado, Doyle parece ter originado uma onda. Edgar Rice Burroughs, criador de Tarzan, escreveria livros com dinossauros após ler "O Mundo Perdido".

Outra coisa que o subtítulo faz gritar é como o romance é eurocentrista. Natural. Doyle era escocês e jamais veio ao Brasil. Certamente leu a capa do New York Herald de 1911: "Monstros pré-históricos na selva amazônica", na qual um alemão dizia ter encontrado um bicho à prova de balas. Só com essa manchete já dava para desenvolver seu argumento.

Pediu ajuda a amigos que viajaram ao nosso país. Entrevistou o coronel Fawcett, que buscava a tal cidade de Z na Amazônia. E enviou o quarteto ficcional a Belém do Pará, após algumas aventuras e diatribes em Londres.

"Doyle era homem de seu tempo e, ainda que fosse abolicionista e tenha promovido campanhas contra a exploração do trabalho escravo no Congo Belga, sua linguagem é fruto de sua época —bem como são os estereótipos e noções raciais que por vezes surgem no texto", escreve o tradutor. É algo justo de se explicar, para se prevenir daqueles que querem mudar o passado.

Eis algumas partes "daqueles": "Mas já contratamos empregados. O primeiro é um preto gigantesco chamado Zambo, um Hércules negro solícito e inteligente como um cavalo."

"Conversei com nosso mestiço bilíngue, Gomez —um sujeito trabalhador e dedicado, mas acometido, suponho, pelo vício da curiosidade, comum nesse tipo de homem. Na noite passada, ele parecia ter se escondido perto da barraca onde discutíamos nossos planos e, tendo sido avistado pelo imenso negro Zambo, que nos é fiel como um cão e tem o ódio que toda sua raça nutre pelos mestiços, foi arrastado e carregado até nossa presença."

"Trinta ou quarenta morreram ali mesmo. Os outros, gritando e se debatendo, foram atirados ao precipício, em direção aos afiados bambus quase duzentos metros abaixo, como seus prisioneiros haviam sido. O reino do homem estava para sempre garantido. Os homens-macacos machos foram exterminados. A Cidade dos Macacos foi destruída, as fêmeas e os jovens, levados para viver como escravos e a longa rivalidade de séculos incontáveis chegara ao seu final." Boa leitura.

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