Descrição de chapéu Artes Cênicas

Para driblar impaciência do público, produções cortam espetáculos teatrais

Reduções de texto e enxugamentos de intervalos são formas de atrair espectadores temerosos da duração de peças

Maria Luísa Barsanelli
São Paulo

Em tempos de consumo tão disperso, artistas vêm tentando driblar a impaciência do público de teatro com a duração das peças.

Tornou-se prática cada vez mais comum encurtar espetáculos de longa duração que poderiam afugentar espectadores antes mesmo da apresentação —uma boa meta, segundo artistas, seria de até duas horas. Vale até para casos de textos contemporâneos.

O diretor Marco Antônio Pâmio cortou aproximadamente 40 minutos de "Cobra na Geladeira", do canadense Brad Fraser, deixando sua montagem com cerca de duas horas.

Tirou repetições, enxugou cenas, mas não foi tarefa fácil. A peça, passada no clima consumista dos anos 2000, "já tem por natureza uma linguagem bastante sintética", diz ele.

Já Eduardo Tolentino de Araújo tirou uma das sete cenas de "Anatol" em sua versão da obra do austríaco Arthur Schnitzler. "Senão ela teria três horas", explica o diretor do Grupo Tapa, que reduziu cerca de meia hora do original.

Tolentino diz ter se preocupado porque há tempos não fazia uma peça longa. "E vivemos uma época de dispersão."

Com a rapidez contemporânea, diz Pâmio, "as pessoas vão com preconceito, já tacham de enfadonho. Mas a sensação do tempo é relativa" —um trabalho longo às vezes parece curto, e vice-versa.

Por vezes, diz o encenador, o elogio à peça vem justamente de um alívio sobre a duração, um "nem pareceu tão longo".

"Eu sinto que a atenção das pessoas está cada vez mais comprometida, mais compartimentada", afirma a atriz Denise Fraga. "Nós artistas temos que considerar essa captura, essa sedução do público."

O texto de "A Visita da Velha Senhora", peça de Friedrich Dürrenmatt que ela estreou no ano passado, foi encurtado em cerca de 40 minutos. Na atual temporada do espetáculo, retiraram-se mais dez minutos, chegando a duas horas.

Rafael Faustino, Luiz Ramalho, Denise Fraga e Tuca Andrada em "A Visita da Velha Senhora" - Cacá Bernardes/Divulgação

"Acho que precisa dos cortes sim, ninguém aguenta mais uma peça de três horas." Clássicos encenados hoje, opina a atriz, devem ter um limite, de até duas horas e 15 minutos.

"Mas não podemos descer o nível. Não vou fazer de 'A Visita' ou 'Galileu, Galilei' [texto de Brecht que ela encenou, com pouco mais da metade do original] uma peça rasteira."

Gustavo Gasparani, que adaptou em musical "Romeu e Julieta" para o público jovem, com o repertório de Marisa Monte, ressalta que hoje temos uma absorção editada. "Há várias coisas num clássico que hoje são desnecessárias."

Ainda assim, produções contemporâneas tendem a ser mais curtas no Brasil se comparadas a montagens europeias ou americanas.

O produtor Gabriel Paiva lembra que muitas vezes há um certo estranhamento do público brasileiro com os trabalhos estrangeiros apresentados nos festivais internacionais realizados pelo país.

Neste ano, o polonês Krystian Lupa mostrou em quatro horas e 40 minutos o seu "Árvores Abatidas". Tempo similar levava "A Gaivota", montagem do russo Yuri Butusov, encenada aqui há três anos.

Apresentação da peça "Árvores Abatidas", do polonês Krystian Lupa, dentro da programação do MITsp - Adriano Vizoni/Folhapress

"Na Europa, há o hábito de ir ao teatro desde criança. Aqui não temos isso", afirma Paiva.

Há ainda um costume no país de começar as sessões mais tarde, às 21h, o que deixa muito tardio o fim de peças maiores. Na Europa e nos Estados Unidos, o início é às 19h ou 20h, lembra Tolentino. "Isso implica uma mudança de paradigma, de as pessoas se encontrarem no teatro. O teatro não é um programa no Brasil."

De fato, o teatro é a atividade cultural menos consumida por brasileiros, segundo pesquisa Datafolha realizada no ano passado —só 22% têm costume de ir a espetáculos.

Tanto que há um receio em criar produções longas —e por vezes uma dificuldade em encontrar teatros disponíveis para as sessões maiores.

A Cia. Hiato escutou temores sobre sua versão de "Odisseia", com quatro horas e meia. "Mas precisávamos da dilatação do tempo para que as cenas funcionassem", explica o diretor Leonardo Moreira.

Acabaram integrando os dois intervalos à dramaturgia, com o elenco conversando com a plateia e servindo comidas e bebidas. "A gente não queria que o público saísse desse universo poético."

A volta do intervalo é outra questão. Há quem retire as pausas entre atos com medo de perder o público, seja por ele deixar o teatro ou apenas se distrair. "É um convite à dispersão", afirma Pâmio. "As pessoas voltam para o celular, é um perigo", diz Denise Fraga.

Gabriel Paiva lembra que muitos teatros no país não têm estrutura para pausas. "Às vezes nem o café fica aberto, não tem banheiro suficiente."

A montagem de "Love Love Love" por seu Grupo 3 de Teatro, por exemplo, retirou os dois intervalos da peça. Uma forma de deixar a encenação mais ágil, sem precisar cortar o texto do inglês Mike Bartlett.

Débora Falabella, Alexandre Cioletti, Yara de Novaes e Augusto Madeira em "Love Love Love" - Lenise Pinheiro/Folhapress

Mas sempre há nos cortes um receio de prejudicar as obras e a experiência teatral.

"O teatro exige do espectador uma participação maior do que as outras artes, pressupõe que o público entre com uma energia", diz Paiva. "E isso por vezes demanda tempo."

Tolentino diz que essa mudança de hábito do brasileiro "passa também pela qualidade". "Ao cortejar o público desse jeito, estamos perdendo a essência do teatro."

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