Há aspectos do disco "A Pele do Futuro" que vêm sendo corretamente destacados. Mas vale relativizá-los.

Aos 73, Gal Costa soa rejuvenescida, de fato, ao apostar outra vez (três anos após "Estratosférica") numa sonoridade pop, agora com dois momentos de disco music.

Mas a voz de Gal não é —nem poderia ser— tão cristalina quanto já foi. Não produz mais aqueles agudos incríveis. Está anasalada. Uma roupagem pouco acústica, costurada por teclados, a protege.

Não há dúvidas de que a busca pela renovação é um ato de coragem. Mas também é uma busca (legítima) pelo sucesso popular, do qual Gal se afastou por suas qualidades. É uma artista refinada demais para o monturo do hit parade atual.

Ao gravar a versão altamente dançável de "Sublime" (Dani Black) e a "sofrência" "Cuidando de Longe", de (e com) a popstar do momento Marília Mendonça, Gal pisca para um público que mal a conhece. E para rádios e pistas.

Também se diz que Gal nunca deixou de se renovar. Bem, na década de 1980 ela patinou em discos sem conceito, nos quais sua gravadora de então encaixava baladas melosas.

Entre 1999 e 2004, fez um papel de diva, cantando standards. Fez boas interpretações de Tom Jobim, por exemplo, mas tropeçou em sambas-canção como "Fim de Caso", peça triste de Dolores Duran que ela cantava sorrindo.

Do repertório de "A Pele do Futuro", as melhores composições são as que têm assinaturas conhecidas. Por acaso ou não, as letras tratam da passagem do tempo.

Em "Livre do Amor", Gal canta imagens de Adriana Calcanhotto como "alforriada das canções melosas", "dona das minhas horas", "senhora dos travesseiros", "senhora do sossego". Enfim, "livre do amor pra amar". É um retrato da pessoa quando madura. O trompete de Paulinho Viveiro sublinha a paz da canção.

"Minha Mãe" (César Lacerda e Jorge Mautner) é outro belo olhar sobre o tempo vivido, com saudade e aceitação convivendo em harmonia. "Minha mãe me deu a vida/ E sempre ela me dará a vida".

O duo com Maria Bethânia deixa a música mais comovente e permite a Gal explorar a região aguda da sua voz, reeditando o histórico contraste entre as cantoras. A paz se dá ao acordeom de Mestrinho.

Em "Viagem Passageira" está o verso "A Pele do Futuro". O tema da canção inédita de Gilberto Gil é: tempo, tempo, tempo, tempo. A liberdade no uso das rimas e a repetição do adjetivo "passageira" são de extrema beleza. A bateria de Pupillo marca a viagem que Gal faz com sabedoria.

Nesse time forte de composições sobre o tempo ainda figura "Cabelos e Unhas", engenhoso poema de Breno Góes musicado por Moska.

A ala soul do CD vai muito bem com "Palavras no Corpo" (Silva e Omar Salomão), com destaque para o naipe de metais e o final da letra: "Ninguém diz eu te amo como eu".

Mas a inclusão de Hyldon não vai além de uma reverência ao craque do soul, pois "Vida que Segue" se arrasta por quase quatro minutos, com um arranjo que reforça seu caráter entorpecente.

O diálogo com os anos 1970 é bem mais feliz em "Puro do Sangue (Libelo do Perdão)", de Guilherme Arantes —que toca os teclados e sintetizadores. E em "Dentro da Lei", samba de Djavan à semelhança dos que ele fazia no início da carreira.

Jovem compositor que vem surpreendendo pela força de suas canções tristes, Tim Bernardes surpreende aqui com um ijexá alegre, "Realmente Lindo". Perfeito para Gal.

O valor do blues "Mãe de Todas as Vozes" (Nando Reis) é ter sido feito especialmente para Gal. Ficou bem escalado após "Minha Mãe".

A melodia de Erasmo Carlos que fecha o CD faz lembrar os hits que ele criou na década de 1970. Mas "Abre-Alas do Verão" é uma parceria com Emicida, nome do presente e que fala de temas urgentes.

É Gal realmente plural, transitando entre vários tempos.