Desde a invenção do pó compacto de alta definição, que supostamente anuvia a pele sob a luz do flash, e do pau de selfie, acessório em voga do Guarujá a Saint-Tropez, fanáticos pelo close nas redes sociais se perguntam “com que roupa vou lacrar?”.
São os anseios consumistas da turma da lacração —essa que curte a verborragia no Facebook e posta até o look escolhido para ir à padaria— que as maiores grifes da moda deverão olhar com lente de aumento na temporada internacional de verão 2019.
Os desfiles das maiores grifes do mundo começaram na última quarta, com a coleção de Tom Ford em Nova York, e se estenderão até Paris, em outubro, onde as passarelas devem selar o “fashionismo instagramável” da temporada.
Relatórios de birôs de tendências como o WGSN, o mais usado pelo mercado, já deram a letra de que roupas agora devem ser feitas baseadas no quão belas elas podem sair em uma fotografia.
Não à toa. Agora chovem pelo mundo, inclusive no Brasil, empresas especializadas em aluguel de roupas e acessórios de grife, para aqueles que só querem uma lasca, apenas uma noite, do suposto poder de uma etiqueta grifada.
A era das redes sociais extrapolou os segundos das stories —os vídeos do Instagram que somem em 24 horas— e deverá chegar à passarela com mais brilhos, cores, texturas e estampas do que nunca. Tudo pelo clique perfeito.
Até modelos virtuais, feitos em computador, já adornam campanhas como as da francesa Balmain, servindo de espelho da salada que bagunçou o xadrez de uma moda mais conectada ao mundo dos pixels do que à órbita da Terra.
Mas o que seria, na prática, essa roupa para postar nas redes? Seria, de acordo com os relatórios comprados pelo varejo, algo entre a atemporalidade —deve haver casacos de frio nas próximas passarelas e propostas de cores sóbrias— e a explosão de formas arredondadas e estruturadas.
Estampas digitais, impressas como fotografias, devem tingir vestidos, bolsas e calças, como as vistas nas últimas passarelas masculinas.
Blusas do tipo camponês, mais soltas e largas, que chamam a atenção combinadas a shorts e saias de visual limpo, são propostas vendidas para as vitrines da próxima estação. A cara de brechó, fruto do sucesso mundial dessa estética detonada pela Gucci, influirá ainda mais na passarela.
“É a ideia de se produzir para uma foto, combinar mais peças e nunca repeti-las”, afirma a diretora do birô Peclers Paris, Iza Dezon.
Ela explica que, para o Brasil, a influência desse ideal de roupa descartável, produzida para a foto, casa com uma regra da moda para festas nacional de que não se pode repetir roupa. “A lógica é a de que, se ninguém usa o mesmo look em festas, porque repetiria no Instagram?”, compara.
É como se a tela do celular virasse um grande tapete vermelho. E, se são os paetês, as fendas e os decotes as características mais marcantes do look de festa, são eles que devem dar o tom do prêt-à-porter nesta temporada.
Dois ícones da internet e da juventude millennial, o estilista italiano Riccardo Tisci (ex-Givenchy) e o francês Hedi Slimane (ex-Saint Laurent), devem engrossar a avalanche de hashtags.
Tisci irá desfilar, em Londres, a primeira coleção de sua gestão na Burberry, signo do luxo aristocrático do Reino Unido que vinha tentando encontrar um espaço no coração das garotas descoladas.
Desde o anúncio da entrada de Tisci, a marca avançou no território das popstars, com uma Beyoncé envelopada no padrão xadrez bege da etiqueta, marca registrada da moda da Burberry, no clipe da música “Apeshit” e nos shows da turnê “On The Run II”.
Slimane, por sua vez, deverá levar em sua estreia na grife francesa Céline a moda de boate com verniz chique que instituiu em sua controversa passagem pela Saint Laurent.
Assim como fez na grife anterior, quando tirou da etiqueta o nome Yves do criador original, Yves Saint Laurent, morto em 2008, ele acaba de tirar o acento do nome de sua fundadora Céline Vipiana.
Lady Gaga, uma das celebridades prediletas de Slimane, foi a primeira a transitar com looks da nova era da grife, até então queridinha de mulheres intelectuais que fazem o tipo look de galerista de arte.
Assim como Madonna foi para a Givenchy de Tisci, Gaga é uma espécie de modelo não oficial de Slimane e, especula-se, deve dar as caras no desfile da marca para aumentar o passe dessa estação de likes.
Há, claro, um movimento oposto a esse turbilhão de imagens, vindo de grifes que se mantêm, pelo menos por enquanto, alheias ao escarcéu.
Das mais antigas, como Hermès, Dior e Valentino, às jovens JW Anderson e Jacquemus, ainda há quem prefira uma roupa a meia-luz à explosão do flash. “É que o look para Instagram deve logo sair de moda”, diz Iza Dezon. “Aqueles que forem na contramão [dessa estética] serão os novos rebeldes da moda.”
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