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Livros

Sucesso nos anos 90, livros sobre educação sexual deviam voltar

Obras como 'Aparelho Sexual & Cia', citada por Bolsonaro na TV, usam humor para informar

JULIANA DE ALBUQUERQUE
Recife

No fim de agosto, o candidato à presidência Jair Bolsonaro deu entrevista ao Jornal Nacional, acirrando o debate popular sobre o livro "Aparelho Sexual & Cia". da francesa Hélène Bruller. Nos anos 1990, entretanto, não era raro vermos crianças consumirem leituras semelhantes em companhia dos pais, colegas e professores, estando as bibliotecas das escolas supridas de materiais sobre o tema.

Compunham as prateleiras livros como "Mamãe Botou um Ovo" da escritora inglesa Babette Cole, em que crianças explicam aos pais de onde vêm os bebês, por meio de ilustrações que remetem ao imaginário infantil. E também "Sexo para Adolescentes", o famoso guia da sexóloga Marta Suplicy sobre amor, homossexualidade, masturbação, Aids.

Todos eles de essencial leitura em uma época que o Brasil e o mundo amargaram a perda de personalidades de destaque nas letras e nas artes para o cruel e pouco conhecido mal. Ocasião em que pais e professores preocuparam-se em prevenir filhos e alunos dos riscos de práticas desavisadas a repercutir em gravidez indesejada ou na fatalidade anunciada e, assim, passando a investir em materiais de esclarecimento.

 

Dentre os manuais de educação sexual de sucesso na época, encontram-se dois pequenos livros divertidíssimos, escritos na metade dos anos 1970 pelo inglês Peter Mayle.

O primeiro deles, "De Onde Viemos?", com mais de 2 milhões de cópias vendidas em língua inglesa, é um manual para crianças sobre sexo, concepção e nascimento. O outro, voltado para pré-adolescentes, contando mais de 1 milhão de unidades vendidas na versão original, é "O Que Está Acontecendo Comigo?".

Publicados durante muito tempo no Brasil pela editora Nobel, eram ilustrados por Arthur Robins, cujo estilo levemente transgressor agrada adultos e provoca o riso de crianças e adolescentes que se reconhecem nas personagens desengonçadas e perplexas diante da vida.

Esses livros são de linguagem simples e direta, ao acesso da compreensão do público-alvo, sem romper com o estilo literário de um autor descomprometido ideologicamente e consagrado pelo senso de humor. Algo que encontramos em clássicos da literatura infantil, como em "O Pequeno Príncipe", de Antoine Saint-Exupéry, ou nas "Memórias da Emília", em que Monteiro Lobato descreve a vida e a morte para crianças nas meditações da sua protagonista.

O que, no entendimento de Saint-Exupéry, permite arriscar a opinião de que os livros de Peter Mayle foram escritos por um adulto que não esqueceu de que um dia foi criança.

Conseguiu, assim, desenvolver uma narrativa sem impor regras ou induzir o leitor a determinados comportamentos. A forma que encontra para descrever o ato e o prazer sexual, em "De Onde Viemos?", remete a experiências comuns dos seus pequenos leitores.

"O homem e a mulher se agitam e se contorcem de um jeito que parece que vão arrebentar, e é quase isso o que acontece. Aquela porção de movimentos de um corpo termina com uma sacudida muito forte dos dois, mas tremendamente agradável. (Repetimos que não é fácil explicar a você essa sensação. Mas você sabe o que sente quando o seu nariz coça, e, finalmente, você espirra. É uma coisa parecida)."

Já em "O Que Está Acontecendo Comigo?" é válido ressaltar o humor e o modo como o autor reveza as informações sobre o desenvolvimento de meninos e meninas, para convidar os leitores a aceitar as mudanças que também estariam acontecendo com as suas amizades do sexo oposto.

"Este livro é para vocês que padecem das dores do crescimento. Nós esperamos que lhe traga breve alívio."

Por fim, é interessante notar como, antes mesmo de todo o discurso e artificialismo do politicamente correto, Mayle e Robins criaram uma obra informativa, leve e inclusiva, sem estabelecer o masculino como parâmetro. Mas sempre propondo o diálogo entre os sexos, ressaltando a diversidade de tipos físicos e de comportamentos. Talvez este seja o momento de republicá-los no Brasil.

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