Cacá Machado (ou Carlos Gonçalves Machado Neto) é um respeitado estudioso da música brasileira, autor de ensaios sobre Ernesto Nazareth e Tom Jobim. Foi professor visitante da USP e desde 2014 é professor titular da Unicamp.
Ao escolher como título de seu segundo CD um adjetivo pouco conhecido, “Sibilina”, e pouco luminoso (significa obscura, misteriosa), ele parece estar sendo acadêmico mesmo quando cria e interpreta canções populares.
Mas não é isso o que move o trabalho do compositor paulistano de 46 anos.
“Onde eu sou menos professor é fazendo música. Para mim, se a música é boa, se balança, está tudo bem.”
O CD de dez faixas — codirigido por Gilberto Monte, Vadim Nikitin e Marcio Arantes— terá shows de lançamento no Sesc 24 de Maio, nesta quarta (10) e quinta (11).
“Sibilina”, a canção, surgiu “aos 45 minutos do segundo tempo”, de acordo com Machado. O título do disco seria o da faixa de abertura, “Tem Um”, uma composição de ritmo forte e com apelo social e político.
A opção, no entanto, poderia não traduzir todo o repertório do disco nem o estilo do artista.
“Minhas músicas são um pouco enigmáticas, dizem não dizendo. São claros enigmas. E vivemos um tempo ‘sob neblina’ [título de uma canção do CD]. Há um excesso de nitidez, porque as pessoas têm muitas certezas, e, até por isso, um excesso de neblina. Eu prefiro exercitar a dúvida, ir tateando sibilinamente”, diz.
Há outros intérpretes no disco, em duos com Machado ou não. As escolhas têm significados para além das vozes. Guilherme Wisnik canta “Nós, Formigas”, letra sua sobre a vida nas grandes cidades e a “nebulosidade” do presente, temas de seu trabalho como teórico de arquitetura e ensaísta.
Alessandra Leão, cantora mas também pesquisadora dedicada aos primórdios da música popular no Brasil, participa de “Polca”. O gênero-título está na origem do choro e do samba.
A voz do baiano Mateus Aleluia, de 75 anos, integrante do histórico trio Os Tincoãs, abre o CD.
“Seu Mateus é uma entidade. É interessante ele pôr aquela voz afro-barroca em ‘Tem Um’, que é quase um rap”, destaca Machado, que divide com ele a faixa.
O também baiano Tiganá Santana está em “Tremor Essencial”, e duas cantoras de estilos marcantes, Ava Rocha e Iara Rennó, interpretam “Depois do Trovão”.
O CD anterior, “Eslavosamba” (outro título sibilino), de 2013, era aberto por outra entidade, Elza Soares, em “Sim”. Em 2015, ela gravou em “A Mulher do Fim do Mundo” a canção “Dança”, de Machado e Romulo Fróes.
“Sempre foi um bolero, para ser cantado de maneira intensa, como a da Elza. Mas quis gravar agora do meu jeito, mais intimista, quase cochichando”, explica.
Machado integra o círculo de artistas que está por trás dos dois últimos CDs de Elza e de alguns dos mais importantes projetos musicais realizados em São Paulo.
Parte dessas pessoas tem vínculos familiares com países do Leste Europeu: entre outros nomes, Wisnik, Nestrovski, Nikitin, Climachauska (o Clima). Daí nasceu o conceito “eslavosamba”.
Em “Sibilina”, a ideia é representada por “Sambábuchka”, parceria de Machado e Nikitin que Alessandra Leão interpreta.
A união entre produção de música popular e reflexões sobre ela descende de uma geração anterior, a de José Miguel Wisnik e Luiz Tatit, e tem em Machado um forte continuador —embora, até o momento, menos conhecido, com uma carreira ainda sob neblina.
“É o meu jeito, pois faço muitas coisas ao mesmo tempo”, diz ele, ao modo sibilino.
Sibilina
Artista: Cacá Machado. Gravadora: Circus/YB. R$ 25 e plataformas digitais
Sibilina
Sesc 24 de Maio. Rua 24 de Maio, 109, centro, São Paulo. Tel. (11) 3350-6256. Qua. (10): 21h. Qui (11): 21h. Ingr.: R$ 12 a R$ 40.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.