Romulo Fróes faz álbum de canções de amor não propriamente românticas

Parceria com Nuno Ramos, 'O Disco das Horas' parte de casal em motel abandonado além do tempo

Luiz Fernando Vianna
Rio de Janeiro

Romulo Fróes gosta de citar uma frase de Ferreira Gullar: "A arte existe porque a vida não basta".

A sentença do poeta se torna ainda mais válida diante de "O Disco das Horas", recém-lançado CD e vinil de Fróes.

Artista que costuma refletir sobre o país em trabalhos e entrevistas, ele lança agora um conjunto de canções de amor, embora não propriamente românticas. Ou seja, a arte desobrigada de tratar da realidade política e social.

O artista Romulo Fróes, que tem Nelson Cavaquinho como guia, lança ‘O Disco das Horas’   - Zanone Fraissat - 21.mar.16/Folhapress

"Minha pátria é a canção brasileira", afirma. "Não acho que seja pouca coisa tentar manter a canção viva em meio ao caos absoluto em que estamos. Às vezes, numa conversa de botequim, a gente brinca: 'Fazer disco para quê? Não é melhor pegar em armas?'"

Foi o artista plástico, escritor e compositor Nuno Ramos quem semeou o projeto. Ele enviou para Fróes oito letras em que imaginava, segundo disse ao parceiro, um casal num "motel abandonado além do tempo". Depois surgiram mais cinco letras.

"Nuno criou livremente", ressalta. "Mas parece que fazer algo menos ligado [aos fatos do momento] acabou. Temos que pensar em tudo. Posso achar que é um disco inocente, mas vão enxergar algo que eu não estou vendo."

A conversa com a Folha se deu em meio à polêmica envolvendo a cantora Fabiana Cozza. Ela desistiu de interpretar Dona Ivone Lara num espetáculo teatral após ser violentamente atacada nas redes sociais por ter a pele mais clara do que a da sambista morta em abril passado.

"A recepção à arte, ao pensamento político, a tudo está muito limitada", diz.

"Agora, sem saberem a relação da Fabiana com Dona Ivone, as pessoas discutem se ela é preta ou não. O que importa é a quantidade de melanina."

O CD tem 13 faixas, da "Primeira Hora" à "Décima Terceira Hora" —esta é a única que não tem melodia de Fróes, mas de seu parceiro musical Clima.

Os dois amantes estão no quarto "gozando no caos" (verso de "Quarta Hora"). "Não vamos deixar que nos leiam", pede o narrador em "Sexta Hora". "Como podem manchetes de jornais se nós nos amamos?", pergunta em "Oitava Hora".

Essa aparente fuga da realidade é trespassada por versos como "Pedimos por mais/ Sede/ Não água".

"É como dizer: 'Me fala outra coisa'. Prefiro uma canção para suscitar o que eu não entendo do que uma canção que diga o que as pessoas querem escutar", afirma.

A mesma música diz: "Em nós tribunais/ Ditam sentenças". "Na minha voz não pode ter algoz. Quero escrever o que eu quero escrever", diz ele.

O paulistano Fróes, 47, integra o grupo Passo Torto ao lado de Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral. Eles fazem parte do núcleo que realizou os dois mais recentes e marcantes álbuns de Elza Soares: "A Mulher do Fim do Mundo" (2015) e "Deus É Mulher" (2018).

Na carreira solo, já são dez discos. Em comum a todos, o clima um tanto melancólico.

A sonoridade do novo é ligeiramente vibrante, graças aos arranjos do saxofonista Thiago França, que utilizou muitos sopros.

A opção casou com o desejo de Fróes de homenagear o pai, um amante das gravações de Jamelão e da Orquestra Tabajara, nos anos 1950, interpretando composições de Lupicínio Rodrigues (1914-1974).

"O disco não deixa de ser melancólico, mas eu tentei cantar de modo diferente, menos pasmado, mais para fora, com algum vibrato aqui e ali. Meu trabalho realmente não tem humor. Nelson Cavaquinho é meu guia", diz ele, que gravou em 2016 um CD com repertório do sambista carioca.

O primeiro show de "O Disco das Horas", com naipe completo de sopros, será em 13 de julho, na Choperia do Sesc Pompeia.


O Disco das Horas

Romulo Fróes. R$ 20 (CD) e R$ 100 (vinil). Disponível nas plataformas digitais e para download gratuito no site romulofroes.com.br

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