Descrição de chapéu

'Assunto de Família' revela limitações de Kore-eda

Diretor japonês que levou a Palma de Ouro em Cannes não é um mau cineasta, mas parece ser melhor do que é

Inácio Araujo

Assunto de Família (Manbiki Kazoku )

  • Quando Mostra: Dom. (21), às 17h45, no Cinesala; sex. (26), às 18h40, no Cinesesc; sáb. (27), às 16h, no Reserva Cultural
  • Classificação . Livre
  • Elenco Lily Franky, Sakura Andô, Kirin Kiki
  • Produção .Japão (2018)
  • Direção Hirokazu Kore-eda

Existe no cinema de Hirozaku Kore-eda algo da grandeza e algo da decadência do cinema japonês. A grandeza está na conjunção de fluidez narrativa com a tortuosa e bem construída história familiar.

A situação de "Assunto de Família": uma pobre família topa com uma menina maltrapilha. Decide adotá-la. Alguém lembra que ficar com a menina pode significar simplesmente sequestro. Mas, argumenta outro, se não há pedido de resgate não existe sequestro.

As tortuosidades começam aí e passam pela avó, que tem desentendimentos com o genro, que vive de sua pensão de viúva. A irmã mais velha tem uma profissão duvidosa, do tipo que beira a prostituição.

O irmão, bem, o irmão recusa-se a chamar o pai de pai. Ou seja, não é filho daquele homem. O homem por sinal o ensina a roubar. Aos poucos nos acostumamos aos pequenos desvios de comportamento da família e, no entanto, tendemos a vê-los com certa condescendência: são gente pobre, que precisa se virar.

Mais do que isso, existem as particulares japonesas: o tratamento de questões delicadas como que desvia os personagens delas —fingem que não existem ou mesmo mentem sobre os assuntos.

Eis o que podemos chamar de tortuoso na família se revelando pouco a pouco, de maneira sutil, aos nossos olhos. Revelando um desarranjo que vai além do social, além da pobreza ou dos sentimentos de solidariedade da família.

Aos poucos, um sentimento de incômodo invade o espectador. Ou, ao menos, a pergunta: será que não existe uma enorme comiseração no tratamento desses personagens?

Ou, pior, o que faz aí esse agrupamento? Um sentimento de solidariedade por vezes, de uso do outro, outras vezes, até mesmo de amor ao próximo? Mas, ainda, a que serve esse agrupamento? Demonstra algo sobre o modo de viver dos pobres do Japão?

Não. Ou não só. Kore-eda é um cineasta ambicioso. Tantas vezes comparado a Ozu por tratar de questões familiares, parece justo notar aqui um tanto de Kurosawa. Isto é, de um genérico de Kurosawa, que ambiciona o universal ao tratar de questões sociais à maneira humanista.

Nesse caso, o sentimento de incômodo se torna mais terrível: será que as personagens se juntaram nesse único e pobre cômodo apenas para atender aos interesses de Kore-eda?

Existe de fato algo de inegavelmente original em "Assunto de Família" e talvez isso tenha valido a Palma de Ouro. Mas ao lado existe esse grilo que todo o tempo insiste em chamar a atenção para seus limites: não se trata de um mau cineasta, mas de um cineasta que parece ser melhor do que é.

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