Descrição de chapéu

Autobiografia de Jô Soares flui ágil feito um papo de botequim

Como em uma conversa, o livro muda de assunto, retoma o fio da meada e conclui de maneira engraçada

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“O Livro de Jô: Uma Biografia Desautorizada – volume 2”

  • Preço R$ 69,90 (336 páginas)
  • Autor Jô Soares e Matinas Suzuki Jr.
  • Editora Companhia das Letras

Para promover o lançamento do segundo volume de suas memórias, Jô Soares passou esta semana pelo Conversa com Bial (Globo), na quarta (28), e pelo Programa do Porchat (Record), na quinta (29).

Mas que ninguém se deixe enganar: esses papos, por mais deliciosos que sejam, não passam de teasers do que está na obra recém-lançada.

“O Livro de Jô: Uma Autobiografia Desautorizada – volume 2” preenche uma lacuna que os 28 anos em que o talk show de Jô Soares ficou no ar, primeiro no SBT e depois na Globo, deixaram aberta. É uma grande entrevista com um convidado que, por razões óbvias, jamais se sentou no sofá do programa: o próprio Jô.

Tendo por base mais de 140 gravações feitas ao longo de seis meses, em 2017, Matinas Suzuki Jr. –editor da Companhia das Letras e autor do texto do livro– consegue capturar nas páginas a oralidade, o ritmo e o fluxo de pensamento de Jô Soares. Quase dá para ouvir mentalmente a voz do biografado.

O apresentador-ator-diretor-escritor-etc. retoma suas lembranças no ponto em que parou o primeiro volume: o momento em que deixou a Record, em 1969, e foi para a Globo, onde, a princípio, integrou o elenco do humorístico “Faça Humor, Não Faça Guerra”, que estreou no ano seguinte.

Os capítulos seguem a ordem cronológica dos acontecimentos, mas nem tanto. Como em uma conversa ao vivo, Jô vai para a frente e vai para trás, muda de assunto abruptamente, retoma o fio da meada e conclui de maneira engraçadíssima.

Ele quase que fala mais dos outros do que de si mesmo. Chega a dedicar 15 páginas para anedotas envolvendo Orson Welles e Winston Churchill –os dois homens que mais admira, mas a quem nunca conheceu pessoalmente.

Boa parte do folclore do showbiz brasileiro está incluída em “O Livro de Jô – volume 2”. Bibi Ferreira, Silvio Santos, Nicette Bruno, Glória Menezes e inúmeros outros protagonizam causos hilariantes. Jô também lembra com carinho de Renato Corte Real, Agildo Ribeiro, Paulo Silvino e tantos outros comediantes com quem dividiu seus programas de humor.

Mas é um pouco reticente no que tange à própria intimidade. As separações de suas três esposas – Theresa Austregésilo, Sylvia Bandeira e Flávia Junqueira– são relatadas rapidamente. A morte de Rafael, seu filho único, vítima de um câncer aos 51 anos de idade, não ocupa duas páginas.

O que não quer dizer que Jô não se exponha. Mesmo sem erguer bandeiras, ele deixa claras suas preferências políticas. Afinal, sofreu muito com a censura imposta pelo regime militar, e chegou a ser processado pelo então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, por causa do texto “A Cama”, publicado em 1969 no jornal satírico O Pasquim. Acusado de obscenidade, Jô acabou sendo absolvido, com a ajuda de uma carta que o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu em sua defesa.

É no campo da política em que estão as duas únicas pessoas contra quem Jô dispara setas venenosas. Uma delas é Fernando Collor de Mello, que se disse chateado com o que seria a traição de um amigo –em 1991, o Jô Soares Onze e Meia (SBT) chegou a ser apelidado de Central do Impeachment, tantos foram os entrevistados que contribuíram para a deposição do então presidente da República. Jô desmente Collor, contando que só se cruzaram duas vezes e olhe lá.

A outra é João Doria, governador eleito de São Paulo, a quem Jô chama de “pessoa pequena”. Tudo por causa de um episódio ocorrido na eleição presidencial de 1989, quando se encontraram em plena zona eleitoral. Trocaram um abraço protocolar e Doria, então presidente da Embratur, aproveitou para colar um adesivo de Collor nas costas de Jô, sem que ele percebesse.

Sem elucubrações nem revelações bombásticas, “O Livro de Jô – volume 2” flui ágil feito um papo de botequim. No final, fica a imagem de um homem apaixonado pela vida, pela arte e pelas pessoas. E dá vontade de reagir como a plateia do Programa do Jô (Globo), que soltava um “aaaaahhhh” quando não queria que o entrevistado fosse embora.

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