Nem MPB nem rock, disco da mineira Julia Branco é um dos melhores do ano

'Soltar os Cavalos' parece a trilha sonora de uma peça de teatro que nunca foi encenada

A cantora Julia Branco - Alberto Rocha/Folhapress
Thales de Menezes
São Paulo

Soltar os Cavalos

  • Onde Disponível nas plataformas digitais
  • Preço CD (preço médio R$ 25) e vinil (R$ 70)
  • Artista Julia Branco
  • Lançamento selo Estúdio304

"Sou forte/ sou grande/ sou do tamanho do medo", versos mais falados do que cantados, estão no começo de "Sou Forte", música que abre o primeiro disco solo da mineira Julia Branco. Os instrumentos entram no decorrer da faixa, mas apenas baixo e piano.

Esse instrumental rarefeito dá bem o tom de "Soltar os Cavalos", um dos melhores álbuns do ano, mas difícil de ser categorizado na companhia de outros bons trabalhos deste ano.

Não é exatamente MPB nem exatamente rock, muito menos a mistura desses dois que muita gente por aí faz.

"Soltar os Cavalos" parece a trilha sonora de uma peça de teatro que nunca foi encenada. Reflexos do lado atriz no currículo da cantora e compositora. Despregados das melodias, seus versos contam histórias, defendem convicções e sobrevivem como poesia.

Vocalista por anos da banda Todos os Caetanos do Mundo, que lançou seu único e muito bom álbum em 2015 ("Pega a Melodia e Engole"), Branco quis dar um tempo das guitarras que nortearam o som do grupo.

Sem guitarristas no disco solo, sua banda é na verdade uma dupla de escudeiros talentosos.

Um deles é Chico Neves, mítico músico e produtor mineiro conhecido pela longa colaboração com o Skank e pelo som mais instigante do Los Hermanos, no álbum "Bloco do Eu Sozinho".

Ele produziu o disco e toca baixo e teclados nas músicas, acompanhando Branco nos shows, depois de muito tempo sem tocar no palco.

A outra colega de estúdio (e turnês) é Luiza Brina, nome frequente na cena musical de Belo Horizonte, conhecida por tocar na banda Graveola e o Lixo Polifônico. Em "Soltar os Cavalos", ela faz vocais e toca piano, acordeão, violões, violinos, teclados e percussão.

Alguns instrumentos soam abafados, outros pontuam as canções em notas curtas. A sonoridade de Julia Branco parece em constante construção, obra falsamente inacabada.

Se a melodia às vezes resulta divertidamente titubeante, as letras são peças fortes, algumas verdadeiras declarações de intenção da autora.

A condição feminina ecoa firme em faixas como "Meu Corpo", "Quero Ser Livre", "Eu Toco" ou "Eu Sou Mulher", esta uma mensagem explícita em versos como "Eu quero mais do que uma casa, uma criança/ outra ideia de esperança/ eu quero mais/ continuar minha dança/ um passo aqui, um passo ali/ não ser uma promessa".

Um desses disparos poéticos ela divide no canto e na autoria com Letícia Novaes, essa cantora poderosa que, sob o nome Letrux, parece figura onipresente nos melhores discos e festivais da temporada. A faixa "30 Anos", parceria da dupla, seria sucesso de rádio se as emissoras ainda dessem atenção à qualidade musical.

Se a missão da crítica é contextualizar o som apreciado para os interessados, falar de "Soltar os Cavalos" pode incluir uma pequena viagem no tempo, retrocedendo mais de 30 anos, quando a artista multimídia americana Laurie Anderson lançou discos ímpares como "Big Science" (1982) e "Home of the Brave" (1986).

A diferença é o uso da eletrônica nos discos da americana e um inegável DNA "orgânico" de canção brasileira na proposta da mineira. Mas as duas têm em comum um jeito de fazer música inquieta alicerçada em breves silêncios.

Escutar o álbum "Soltar os Cavalos", porém, pode não ser uma experiência completa sem o videoálbum disponível nas redes, com clipes de cinco músicas, cada um dirigido por uma videomaker diferente.

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