Geralmente associada à literatura de uma geração que se convencionou chamar de marginal ainda que tenha, já no início da década de 1980, começado a adentrar o mercado editorial, a poeta Ledusha Spinardi manteve sua posição marginal pelas últimas décadas por várias razões.
Paulista entre cariocas, suas publicações são esparsas. Mesmo assim, é um nome resiliente, passando por períodos de exposição e sumiço.
Há já no título de seu livro mais conhecido, “Risco no Disco”, algo que a diferencia, um gosto pela linguagem, atenção ao som que não se rende à exigência do coloquialismo dogmático ou do recurso constante à paródia. O prazer de consoantes e vogais.
É uma das características que nos chamam a atenção no seu novo livro, que já traz em seu título essa lua na jaula, e aponta para a ética de uma autora que observa fenômenos atemporais enquadrados em um contexto histórico.
Nos anos finais da ditadura militar, o debate sobre a principal poesia brasileira parecia girar em torno do embate entre o formalismo e o informalismo, a técnica e o desbunde.
Mas, em muitos poetas da época, há cicatrização dessa ferida, como nos melhores poemas de Paulo Leminski e Ana Cristina Cesar, ou na publicação póstuma de Hilda Machado, organizada por este resenhista. Um desejo de comunicar sem afrouxar a expressão poética nem deixar de dialogar com a tradição.
Trazendo toda sua produção inédita desde “Notícias da Ilha” (2012), “Lua na Jaula” tem poemas curtos e diretos, mas também textos em que Ledusha opera uma mescla de registros inteligente, usando quando necessárias tanto a gíria quanto a palavra precisa.
Mesmo quando lança mão de expressões que os mais novos talvez não conheçam, a poeta se faz valer da própria poeticidade das expressões populares para que esse coloquial em desuso renasça como linguagem metafórica.
Há espanto na sua escrita, atenção tanto ao fenômeno natural quanto ao cultural, em textos nos quais a chuva estalando na rua e o filme mais recente de Godard surgem como acontecimentos entrelaçados na mente da autora.
Se marginal, é porque há nela respeito pelos que insistem em não se enquadrar ao bom-tom, ao que se espera de apropriado às situações constrangedoras da vida, e seu humor se volta contra si antes de se voltar contra os que a constrangem, pois há sempre à espreita uma alegria —que segue sendo a prova dos nove nos períodos tristes em que nosso país insiste em reincidir.
Ricardo Domeneck
Poeta e ficcionista, autor de "Sob a Sombra da Aboboreira" (7Letras)
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