Descrição de chapéu Folha, 98

Agressividade da patrulha de direita vem do ressentimento, afirma Luiz Felipe Pondé

'É esquisito que um país que sempre foi de direita de repente saiu do armário', diz Antonio Prata em debate na Folha

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O editor da Ilustrada, Silas Martí, e os colunistas da Folha Luiz Felipe Pondé e Antonio Prata durante debate no auditório do jornal nesta segunda (18) - Bruno Santos/Folhapress
São Paulo

A patrulha ideológica da direita de hoje é caracterizada pela sensação de ressentimento de um grupo que, por muito tempo, se sentiu invisível no debate público, não se viu representado na universidade, na imprensa e na mídia, afirmou o escritor e colunista da Folha Luiz Felipe Pondé.

Esse sentimento de exclusão gera um tom agressivo, "como o de uma cadela hidrófoba [que estava] presa num quarto escuro", afirmou o colunista nesta segunda (18), citando a frase usada por Nelson Rodrigues (1912-1980) quando a peça ‘Álbum de Família’, que ficou proibida durante 21 anos, foi liberada.

“Se houver uma ‘normalização’ do debate político, cultural e de costumes [no Brasil], talvez tenhamos uma patrulha de direita que não seja tão agressiva”, afirmou Pondé, que participou, ao lado do também escritor e colunista do jornal Antonio Prata, do debate "Há diferença entre a patrulha de esquerda e a de direita?", aberto pela diretora de Redação da Folha, Maria Cristina Frias, e que iniciou a programação de eventos promovidos nesta semana em comemoração dos 98 anos do jornal. 

A principal diferença dessa patrulha para a praticada pela esquerda, segundo Pondé, vem da percepção de quem a exerce - nos esquerdistas há um sentimento de atuação em nome do bem, que seria supostamente baseada em qualidades e virtudes justificáveis.

Para Prata, apesar de existir de fato um ressentimento da direita, ele não vem dessa aparente falta de representatividade do grupo. “Não havia uma hegemonia cultural de esquerda no Brasil. Talvez só nas faculdades de humanidades, nem dentro das universidades como um todo.”

“A imprensa não é de esquerda. Na cultura, quando Glauber Rocha (1939-1981) estava fazendo cinema, as pessoas estavam vendo ‘Os Trapalhões Na Serra Pelada’, que só tem piada racista, machista, homofóbica. Quando Chico Buarque e Caetano Veloso estavam compondo, o público ouvia música brega”, afirmou Prata no debate, que aconteceu no auditório do jornal, em São Paulo, e teve mediação do editor da Ilustrada, Silas Martí.

“É esquisito que um país que sempre foi de direita de repente saiu do armário. O Brasil se assumiu de direita, apesar de termos tido uma ditadura de direita por 21 anos", continuou.

O termo “patrulha ideológica”, lembrou Prata, surgiu para designar um comportamento característico de uma “velha esquerda”, que, no fim da ditadura, vigiava e criticava novas linguagens e expressões adotadas por artistas que eles consideravam esquerdistas.

Assim, a patrulha de direita, na visão de ambos os colunistas, seria mais nova e historicamente mais difícil de ser definida.

“Tem a milícia da internet, que não é patrulha, é ameaça. E tem o lado do racismo, machismo, homofobia, que é basicamente ofensa”, disse Prata.

É possível que, com o tempo, as patrulhas acabem se assemelhando, completou Pondé. Mas, enquanto isso, ambos os lados têm questões para superar: “A direita tem que resolver a sensação de que um cara sozinho no apartamento de classe média sacou tudo que ninguém sacou. E a esquerda precisa vencer sua vaidade moral”.

Na avaliação de Prata, também há hoje uma tentativa de equalizar os lados, o que acaba prejudicando uma percepção ampla da complexidade da realidade brasileira.

“Há a patrulha ideológica e há a patrulha de polícia”, disse, citando como exemplo o episódio da operação que deixou 13 mortos no morro do Fallet, no Rio de Janeiro, no dia 8 deste mês. "É contra isso que muitas vozes que defendem as minorias estão falando, e isso não pode ficar lado a lado com o 'mimimi'”, disse.

O grande foco que é dado ao tema do politicamente correto também acaba desviando a atenção dos problemas, completou Prata. “Lidamos com uma realidade atroz e ainda colocamos um peso gigante nesse discurso.”

Para ele, esse ambiente de patrulhamento acaba tornando o ato de se expressar mais sensível. Como exemplo, contou que, quando vai escrever uma cena para um programa que será visto na televisão por milhões de pessoas, pensa na consequência que suas piadas terão no contexto da realidade brasileira.

No caso do jornalismo, ele considera perigoso ouvir as vozes das redes sociais em busca de elogios e críticas. ”Se você mirar nos que amam ou odeiam, vai tentar agradar ou desagradar.”

Mas, de modo geral, o medo da ofensa e da recepção acaba sendo um bloqueio para quem escreve hoje, afirmou Pondé. “Quem tem medo só escreve artigos clichês, pisando em ovos”, disse o colunista.

“Já escrevi textos mais ou menos violentos, mas tomo cuidado por razões jurídicas porque o mundo está paranoico e as pessoas, raivosas. Grande parte do público que exerce algum tipo de patrulha quer que você seja demitido e não fale mais nada que os cause desconforto”, afirmou.

Pondé diz preferir não ler os comentários sobre seus textos nas redes sociais, não se "contaminando" com a vontade de respondê-los. “Ser um pouco blasé é fundamental.”

O estudante de filosofia Anderson Francisco, 26, que esteve no debate, disse que esperava uma conversa pesada e pessimista, dada a delicadeza do tema e o estilo dos colunistas. “Acho que os dois são meio negativos na análise da realidade do Brasil, embora o Antonio Prata seja ainda um pouco mais esperançoso”, afirmou Francisco, que é assinante do jornal há cinco anos.

Para advogada Lorena Albuquerque, 29, de Goiânia, a conversa com os colunistas é uma oportunidade de acompanhar o trabalho da Folha mais de perto. “Ouvi sobre o evento no podcast Café da Manhã e achei sensacional. Vim correndo”, conta a leitora, que estava de passagem por São Paulo.

Assinante da Folha há 25 anos, o professor de história José Luiz Grellet, 65, diz que lê ambos os colunistas e quis vir ao debate por interesse pelo tema das patrulhas ideológicas. Ele confirmou presença também no evento de amanhã, com os colunistas Elio Gaspari e Mônica Bergamo. “Admiro muito o Gaspari como profissional e escritor. Acompanho tudo que ele escreve e realmente me identifico.”

Ao longo desta semana, serão realizados mais quatro debates com colunistas do jornal no auditório da Folha, em São Paulo. É possível se inscrever gratuitamente no site Folha Eventos.

Nesta terça (19), a partir das 18h30, também acontecerá um novo Encontro com Leitores, com os colunistas Clóvis Rossi e Mônica Bergamo e mediado pelo editor-executivo do jornal, Sérgio Dávila. O evento é fechado para leitores convidados.

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