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Numa época em que policiais matam negros, livro de James Baldwin segue atual

'Se a Rua Beale Falasse' inspira filme de mesmo nome que estreia nesta quinta nos cinemas

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O escritor James Baldwin
O escritor James Baldwin - Divulgação

SE A RUA BEALE FALASSE

  • Preço R$ 49,90 (224 págs.)
  • Autoria James Baldwin
  • Editora Companhia das Letras

O penúltimo romance de James Baldwin, “Se a Rua Beale Falasse”, foi muito mal recebido pela crítica no lançamento, em 1974, embora o autor fosse um ícone cultural americano, porta-voz literário do movimento dos direitos civis.

Um dos pontos, talvez o principal, do descontentamento dos críticos da época era que o livro seria “datado” demais. Tratava, em meados dos anos 1970, de problemas que lhes pareciam típicos da década anterior e superados.

Foi o que disseram, por exemplo, Anatole Broyard, no New York Times (“jeremiada contra a América, típica da era do movimento dos direitos civis”), e Cristopher Bigsby, no jornal The Guardian (“recria o espírito e reutiliza as imagens da década passada”).

Os liberais americanos que aplaudiam Baldwin nos anos 1960 achavam que as leis de direitos civis promulgadas naquele tempo haviam resolvido a questão.

É irônico que o livro continue, no século 21, mais atual do que nunca. O enredo trata de um jovem casal negro e a perseguição implacável do sistema policial e judicial branco dos EUA contra o rapaz, acusado de estupro.

Neste século, as mortes seguidas de negros por policiais brancos, sem punição para os assassinos, provam que, apesar das leis de 50 anos atrás, o racismo, mais ou menos velado, se perpetua em muitas partes do país. 

Por isso, “Rua Beale” é tão importante agora. E por isso James Baldwin, morto em 1987, tem sido objeto de tanta apreciação e exerce influência decisiva na atual geração de artistas negros nos EUA.

Além do filme de Barry Jenkins baseado neste livro, que acaba de ser lançado, Baldwin foi tema do premiado documentário “Eu Não Sou Seu Negro” (2016) e é objeto de uma exposição em Nova York de quadros, fotos e bustos dele. Teve ainda um brilhante ensaio (“Carta de uma Região de Minha Mente”), de 1962, republicado pela revista “The New Yorker” em dezembro passado.

Outra crítica recorrente feita ao livro na década de 1970 era a de que haveria pouca verossimilhança nos personagens principais, Tish e Fonny, que se expressam de forma sofisticada demais para pessoas de sua condição social. Como se na história da melhor literatura universal isso constituísse de fato um problema, e como se ideias elaboradas fossem exclusividade de pessoas ricas e educadas.

“Rua Beale” está cheia de frases cortantes que descrevem situações reais e incitam à reflexão —“O riso e o amor vêm do mesmo lugar: mas pouca gente vai lá”, “Ter um problema quer dizer que você está só”.

O que deve realmente ter incomodado os críticos do século passado, num momento em que os EUA viviam crises terríveis (Watergate, Vietnã, inflação), foram os ataques diretos ao sistema do país —“não acho os EUA uma dádiva de Deus para ninguém”, escreve Baldwin em dado momento.

O título é uma alusão à música “Beale Street Blues”, escrita em 1917 por W.C. Handy e famosa na versão de Louis Armstrong. Trata-se de uma elegia à Rua Beale, em Memphis, onde se fazia a melhor música negra do país no início do século 20.

Merece destaque na edição brasileira do livro a excelente tradução de Jorio Dauster.

 

Carlos Eduardo Lins da Silva é professor do Insper e professor visitante do Instituto de Relações Internacionais da USP.

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