Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Pente-fino nos patrocínios da Petrobras deve frear o audiovisual e as artes cênicas

Pressão de Bolsonaro sobre estatal é vista como mais um passo de sua política de cerco à cultura

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Douglas Silva como Dadinho em 'Cidade de Deus', filme de 2002 de Fernando Meirelles e Kátia Lund

Douglas Silva como Dadinho em 'Cidade de Deus', filme de 2002 de Fernando Meirelles e Kátia Lund, realizado com patrocínio da Petrobrás Divulgação

São Paulo

Sob a nova gestão de Roberto Castello Branco, a Petrobras reduzirá drasticamente a verba destinada ao patrocínio na área cultural. Internamente, está estabelecido que as áreas mais afetadas dos programas de incentivo da empresa serão as do audiovisual e das artes cênicas. 

Este é o segundo passo do governo de Jair Bolsonaro em direção a uma revisão da política cultural pública, e um possível desmonte é esperado por parte do setor. O primeiro foi a extinção do Ministério da Cultura, anunciado tão logo Bolsonaro foi eleito. 

Se o presidente ainda depende do Congresso para modificar os aportes da Lei Rounet, à qual é crítico, no caso da Petrobras ele pode exercer influência imediata. Castello Branco foi indicado à presidência da empresa por ele, substituindo Ivan Monteiro.

“Determinei a reavaliação dos contratos. O Estado tem maiores prioridades”, disse o presidente, nesta semana, em sua conta no Twitter. 

O corte tem sido tema de intensa discussão entre os executivos da petroleira, muitos deles críticos ao alinhamento com a retórica de Bolsonaro, que já afirmou que o governo federal vai parar de “financiar famosos”. 

 

Ainda nesta semana, o gerente executivo de comunicação da empresa, Bruno Motta, que havia assumido o cargo há dois anos, pediu demissão. 

Ele não foi localizado para comentar. A Petrobras, por meio de sua assessoria, disse que a decisão de Motta se deveu a questões pessoais.

Além de dizer que determinou a revisão de contratos de patrocínio, Bolsonaro postou em sua conta no Twitter que reconhece “o valor da cultura e a necessidade de incentivá-la”, mas que o financiamento das atividades culturais “não deve estar a cargo de uma petrolífera estatal”.

Segundo o post do presidente, “a soma dos patrocínios dos últimos anos passa de R$ 3 bilhões”. É um valor que nem a própria Petrobras confirma. Os contratos vigentes de patrocínio na área somam cerca de R$ 450 milhões.

Entre os atuais beneficiados, estão a Cia Debora Colker, o Festival Anima Mundi, o Festival de Cinema do Rio, o Grupo Galpão e o Grupo Corpo. Alguns dos contratos se estenderão até o fim de 2021.  

Desde 2003, quando criou o Programa Petrobras Cultural, a empresa patrocinou mais de 4.000 projetos culturais.

Em 2018, os patrocínios na cultura consumiram R$ 39 milhões da empresa. É um valor que já vinha sendo reduzido ano a ano. Em 2017, a Petrobras destinou R$ 62,5 milhões a projetos na cultura.

Agentes culturais disseram à reportagem que a equipe que seleciona projetos a serem patrocinados tem sido reticente em relação a novos contratos, sob a alegação de que a política de patrocínio da empresa está sendo reformada. 

Por meio de nota, a Petrobras disse que “está revisando sua política de patrocínios, em alinhamento com o novo posicionamento de marca da empresa, com foco em ciência e tecnologia e educação, principalmente infantil”.

Os contratos atualmente em vigor, diz a empresa, estão com seus desembolsos em dia. A empresa não respondeu se o projeto da Orquestra Petrobras Sinfônica será mantido.

“Pessoalmente defendo os investimentos culturais, esportivos e sociais das empresas como forma de elas contribuírem com o desenvolvimento desses setores mas também como forte posicionamento de marca”, afirma Fábio de Sá Cesnik, autor do livro “Guia de Incentivo à Cultura” e presidente da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo. 

“A eventual saída da Petrobras seria ruim nos dois sentidos: deixaria menos investimentos sociais e culturais que contribuem com o desenvolvimento do país e seria uma perda para a companhia, que perderia, e muito, visibilidade de marca e posicionamento.”

Procurados pela reportagem, integrantes do Grupo Galpão preferiram não se manifestar sobre o assunto até que haja um pronunciamento oficial da Petrobras sobre a política de patrocínios. O grupo tem contrato e ações previstas com a Petrobras até o início de 2020, totalizando aportes de R$ 4,2 milhões.

Segundo sua assessoria de imprensa, não houve até agora nenhum comunicado da empresa de que esse contrato possa ser interrompido. Na semana que vem, está prevista uma reunião na Petrobras, com a presença de artistas patrocinados, para que as decisões da nova gestão da empresa sejam esclarecidas.

No escopo de patrocínios da empresa não há apenas aportes diretos. Existem projetos que são patrocinados por meio de Lei Rounaet e outras leis de incentivo. A assessoria de imprensa da petroleira não precisou qual a fatia que é patrocínio direto e qual se realiza por meio de isenção fiscal.

Com menos de dois meses do novo governo, a expectativa do setor cultural é que os cortes não devem parar por aqui. No fim do ano passado, após vencer as eleições, Bolsonaro reiterou que “há um claro desperdício” de recursos públicos na área.

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