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Charles Dickens tentou internar sua mulher em hospício, revelam cartas

Escritos que vieram à tona na semana passada mostram a história sob uma ótica nova e cruel

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Mulher trabalha na restauração de cabine usada em frente à casa do escritor inglês Charles Dickens, em Londres - France Presse
Palko Karasz
The New York Times

Como grande romancista e jornalista mestre, Charles Dickens manteve controle rígido sobre o que o público ficou sabendo sobre sua separação de sua mulher, em 1858, possivelmente o episódio mais escandaloso de sua vida agitada.

Mas cartas que vieram à tona na semana passada mostram a história sob uma ótica nova e cruel. Elas sugerem que Dickens não tentou apenas mandar embora Catherine, sua esposa havia 20 anos e mãe de seus dez filhos, enquanto ele tinha um caso com uma jovem atriz, Ellen Ternan.

Ele também tentou internar sua mulher em um manicômio. “É um relato mais condenatório e chocante que qualquer outro sobre o comportamento de Dickens”, escreveu John Bowen, professor de literatura inglesa do século 19 na Universidade de York, no norte da Inglaterra, no “The Times Literary Supplement”.

O artigo acompanhou a publicação de uma análise de correspondência conservada em Harvard. Uma celebridade em seu tempo, Dickens se preocupava em conservar sua imagem e seu legado. Na década de 1860 ele queimou papéis e cartas de 20 anos numa fogueira no quintal de sua casa.

Muitos de seus contemporâneos faziam o mesmo. Mesmo assim, estudiosos e biógrafos continuam tentando penetrar a privacidade de sua vida e seus relacionamentos com mulheres.

As circunstâncias da separação entre Dickens e sua mulher já inspiraram obras de ficção, biografias e um longa-metragem, “The Invisible Woman”, em que Felicity Jones faz Ellen Ternan, a amante conservada escondida enquanto Dickens mantinha sua imagem de pai de família vitoriano.

A própria Catherine Dickens raramente comentou a separação. Quase uma década após a morte de seu marido ela fez confidências sobre o assunto ao crítico de teatro Edward Dutton Cook, seu vizinho em Camden, na zona norte de Londres.

As cartas analisadas por Bowen foram baseadas nessas conversas. Segundo o professor, são alguns dos primeiros documentos descobertos que apresentam o ponto de vista da esposa de Dickens. Dutton Cook escreveu em uma carta que Charles Dickens deixou de amar sua mulher.

“Ela tivera dez filhos e perdera boa parte de sua beleza, estava envelhecendo, na realidade.” “Dickens chegou a tentar interná-la num manicômio, coitada!”, prosseguiu Dutton Cook. “Mas, apesar de a lei ser péssima em matéria de exigir provas de insanidade, ele não conseguiu manipulá-la para sua finalidade.”

Dickens pode muito bem ter estado em posição de jogar sua mulher para escanteio dessa maneira. Como Bowen escreveu no “Times Literary Supplement”, muitos médicos vitorianos teriam visto suas afirmativas sobre a “languidez” e “excitabilidade” de sua esposa como base suficiente para redigirem um atestado de “insanidade moral”.

Segundo outras cartas na mesma coleção, Dickens também dispunha de um contato que poderia ter parecido ideal: era amigo do psiquiatra Thomas Harrington Tuke, diretor de um manicômio particular nos arredores de Londres. Mas a correspondência sugere que Tuke rejeitou a proposta de Dickens.

A partir de 1864, o escritor passou a tachar o médico de “ser desprezível” e “um Asno Médico”. A coleção de 98 cartas de Dutton Cook a um amigo jornalista, William Moy Thomas, foi comprada em leilão em 2014 pela biblioteca Houghton, de Harvard. Segundo Bowen, a correspondência traça um retrato vívido da vida literária do final da era vitoriana.

Claire Tomalin, autora de biografias de Dickens e de Ellen Ternan, disse ao Times of London na última semana: “Ele [Dickens] foi um grande homem que se propôs a fazer o bem na vida e realmente realizou grandes coisas. Mas, quando se desviou do caminho, começou a se comportar muito mal mesmo”.

“Foi muito difícil ler o material, para falar a verdade”, escreveu Bowen em comunicado emitido pela Universidade de York. “Dickens é um grande nome da literatura que eu estudo e admiro há muitos anos, mas a leitura de algumas dessas cartas é perturbadora.”

Tradução de Clara Allain

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