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Cinema

TCU expõe fragilidades institucionais do cinema brasileiro

É inegável que o último ciclo virtuoso da produção está sob risco

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São Paulo

​O cinema nacional tem sido marcado, ao longo da história, por uma série de ciclos e de pactos. O que significam esses pactos?

Em nome de um bem maior, que pode ser traduzido pela possibilidade concreta de se fazer cinema no Brasil, os integrantes do setor tendem a acomodar interesses e a aceitar estruturas legais e jurídicas que, ainda que pareçam eficazes em um primeiro momento, acabam por revelar-se frágeis adiante.

A fragilidade institucional desse setor econômica e culturalmente tão significativo voltou a ficar patente com o acórdão do TCU, potencialmente catastrófico. Há quem atribua à ação do tribunal um sentido político --e decerto não foi o acaso que levou o primeiro relatório a ser divulgado durante a disputa eleitoral de 2018. É, porém, inegável que a fiscalização e parte das cobranças são tecnicamente justificáveis.

O mote para a ofensiva do TCU, em 2018, foi o anúncio, pela Ancine e pela Secretaria do Audiovisual, do investimento de R$ 1,2 bilhão sem que tivessem sido concluídas, até ali, as prestações de contas anteriores.

 

Se, habitualmente, atribui-se ao governo uma “sanha arrecadadora”, intuía-se, neste caso, uma “sanha distribuidora”. Em quase uma década, ficaram acumuladas, na agência, cerca de 2 mil prestações de contas - todas devidamente enviadas pelos produtores.

Ao se debruçar sobre essa pilha, os auditores viram o que havia e o que não havia. O relatório, em alguns trechos, evidencia a falta de intimidade dos analistas com as especificidades da prática audiovisual. Um exemplo disso é o questionamento da remuneração dos produtores; outro é tratar como “convênio” aquilo que, no Fundo Setorial do Audiovisual, é legalmente definido como investimento.

Mas há questionamentos pertinentes. O mais complexo deles diz respeito à análise de prestação de contas de recursos públicos por amostragem. Apesar de o método estar previsto no Decreto 8281 (2014), o TCU reputa-o inconstitucional e exige sua revisão. Desfaz-se assim o pacto institucional vigente.

É possível, contanto que o diálogo com o TCU siga avançando e não se confirme a temida interrupção do repasse de verbas, que a Ancine consiga atender parte das exigências e salve seu futuro. Mas o passado e o presente, marcados pelo enorme passivo e por problemas de gestão, deve seguir assombrando o órgão e o setor.

É inegável que o último ciclo virtuoso do cinema brasileiro, iniciado com a MP 2228-1 (2001), que criou a Ancine, está sob risco. Espera-se, ao menos, que o fim de um ciclo não signifique, como já significou, o fim da própria atividade.

Ana Paula Sousa, jornalista, é autora da tese de doutorado “Do conflito ao pacto: as lutas no campo cinematográfico brasileiro no século XXI”

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