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Cinema

Em 'A Grande Dama do Cinema', Campanella não perde a atualidade

Diretor argentino se afasta das histórias urbanas e do retrato da classe média em novo filme

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A Grande Dama do Cinema (El Cuento de las Comadrejas)

  • Classificação 12 anos
  • Elenco Graciela Borges, Oscar Martínez, Luis Brandoni, Marcos Mundstock
  • Produção Argentina, 2019
  • Direção Juan José Campanella

Na rivalidade entre Brasil e Argentina, há uma pauta que nunca está em questão: o cinema. A disputa histórica, política e futebolística vira quase submissão quando se trata de comparar as produções cinematográficas. Como trégua de orgulho ferido, os brasileiros não hesitam em afirmar que os filmes argentinos deveriam servir de modelo aos nossos.

A comparação não vale a pena, a relevância brasileira se confirma a cada festival internacional, mas a reverência pelos vizinhos se compreende —o cinema argentino é mesmo uma sucessão de acertos. E dos vários responsáveis por essa fama, um nome não pode escapar: Juan José Campanella.

Representante mais renomado de seu país na indústria americana —onde assinou a direção de “House” e “Law and Order”—, Campanella nunca abandonou a terra natal. Com “O Filho da Noiva” (2001) e “O Segredo dos Seus Olhos” (2009), o diretor catapultou a Argentina contemporânea aos holofotes internacionais (o primeiro foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, enquanto o segundo venceu a categoria).

Depois de dez anos afastado do cinema tradicional, dedicando-se ao teatro e à produção da animação “Um Time Show de Bola” (2013), o diretor agora celebra o seu retorno com “A Grande Dama do Cinema”. E o primeiro minuto já dá o tom da empreitada.

Em uma fantástica sequência de abertura —mesclando autoironia com a pompa ao estilo do cineasta Paolo Sorrentino, de “A Grande Beleza” (2015)— o longa nos apresenta Mara (Graciela Borges), uma decadente estrela de cinema, gastando sua velhice reclusa em um casarão afastado.

Acompanhada do marido Pedro (Luis Brandoni), um antigo ator de papeis insignificantes, do roteirista Martín (Marcos Mundstock) e do diretor Norberto (Oscar Martinez), responsáveis pelos sucessos de sua carreira, a artista parece prestes a surtar em um cotidiano vazio, distante dos anos dourados. Em uma mansão onde circulam ratos, frustrações e ressentimentos, a rotina é transformada pela chegada de um jovem casal e suas ambições imobiliárias.

Afastando-se das histórias urbanas e do retrato dos dilemas da classe média argentina, “A Grande Dama do Cinema” revela uma nova face de Campanella, na qual misturam-se humor corrosivo e certo experimentalismo. Confiante como alguém que domina a técnica de seu ofício, o diretor se permite brincar com as convenções do cinema, transpondo a metalinguagem do enredo para a forma da narrativa.

Sabendo exatamente as consequências de cada escolha –do modo como utiliza a trilha à maneira como encadeia a montagem—, o diretor joga com a construção das expectativas típicas das narrativas clássicas, desorientando o público entre as reais motivações dos personagens e a pura encenação. Na confluência de estilos e atmosferas distintas, em limiar improvável entre comédia, suspense e pastiche, o filme se diverte no revezamento entre manipular e entreter.

Para quem estiver disposto, “A Grande Dama do Cinema” será daqueles filmes dos quais não se sai indiferente. Fora do terreno habitual de seus longas anteriores, mas sem abrir mão dos usuais dilemas mundanos, como a velhice, o abismo geracional e as dívidas com o passado, Campanella cumpre seu dever: segue pensando o cinema para jamais perder a própria atualidade.

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