Faltam oito meses para a Olimpíada do Rio de Janeiro. Numa conversa tensa com um procurador municipal, a jovem defensora pública Ana pede que sejam suspensas as remoções das casas da Vila Autódromo, favela vizinha do Parque Olímpico. Na visão do poder público, aquelas casas são um entrave para o projeto de reurbanização da área.
"A cidade está mudando. É um processo doloroso, mas no fim vai ser bom pra todo mundo", afirma, confiante, o procurador. "A cidade está mudando a favor de quem?", questiona Ana.
Dirigido por Marina Meliande, "Mormaço" acompanha um momento de esgarçamento social que prenuncia o mal-estar do Rio de Janeiro dos dias de hoje. Marcado por gastos excessivos com obras majestosas, corrupção correndo solta e desatenção às regiões periféricas, o verão da virada de 2015 para 2016 no Rio ajuda a entender as tragédias recentes da cidade, como o desabamento de prédios em área dominada por milicianos.
Ficção com forte veia documental, "Mormaço" mostra o declínio da Vila Autódromo, onde restaram poucas famílias, e obtém resultados desiguais nessa seara mais realista.
São impactantes os registros das escavadeiras destruindo as casas. Por outro lado, há uma frouxidão dramatúrgica nas passagens que envolvem os moradores da favela. São aparentemente amadores ou semiamadores, cujas interpretações destoam dos demais atores, um descuido da direção do longa.
Ao tentar se colar à realidade, "Mormaço" dá seus tropeços. No entanto, quando se abre à imaginação e ganha uma atmosfera fantástica, o filme cresce muito. O espaço para sombras e delírios é o prédio onde Ana vive, um edifício antigo no centro da cidade que está sendo transformado num hotel.
A natureza no entorno da protagonista também ganha ares perturbadores. O mar carioca soa ameaçador, as frutas apodrecem. Além disso, sem razões plausíveis, surgem manchas pelo corpo de Ana. Metamorfoses dessa ordem revelam Marina Meliande como uma discípula promissora do canadense David Cronenberg.
O fato é que "Mormaço" consegue retratar com mais contundência a realidade brasileira quando se afasta da abordagem realista. E constrói um dos melhores desfechos do cinema brasileiro recente.
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