Com direção de Aberbal Freire-Filho, “Cabaré transpoético” apresenta os poemas do livro “Abracadabra” de Beatriz Azevedo. A autora está em cena junto à atriz Lucélia Santos. As duas cantam, interagem e recitam os textos que misturam a subjetividade da autora ao mundo caótico que nos envolve.
A sociedade brasileira impregna cada verso dos poemas escolhidos para a cena. O lirismo subjetivo sempre encontra o peso da sociedade em composições que conjugam fragmentos do noticiário político-social com imagens do cotidiano feminino e da vida íntima da autora. Isso enquadrado por um ritmo veloz de construções objetivas, sintéticas e sempre ressaltando a ambivalência das palavras.
Para lidar com o material, o espetáculo torna-se uma espécie de sarau teatralizado. As atrizes se empenham para que os poemas ganhem expressão cênica e musical. A ideia parece ser a de construir uma estética própria que atravesse o campo do teatro e da poesia —conceito anunciado no título como “transpoética”.
Mas não é o que ocorre. A poesia é posta em cena como material bruto sem grande trabalho de transposição de linguagem para o teatro.
Cria-se, então, um impasse. As palavras se perdem numa recitação desconectada da objetividade do palco —apesar das inflexões rítmicas que as atrizes dão aos textos. E o espetáculo se desenvolve sem vigor teatral, com marcações que muitas vezes apenas ilustram ou reiteram o que está sendo dito.
A ideia de cabaré, anunciada também no nome do espetáculo, poderia ser uma resposta para o problema. Mas a verdade é que não há um cabaré, mas a representação de um.
Apesar dos números musicais e da forma episódica das cenas, as luzes da plateia estão quase sempre apagadas, as declamações não buscam conexão com a audiência, não há nem sombra daquela vibrante atuação que transformava a cena de acordo com a resposta da vida ou que provocava e investia contra as expectativas do público.
Este desajuste entre o material lírico e a cena teatral faz com que as formas rápidas e sintéticas que são uma das forças da poesia de Beatriz Azevedo, soem, no palco, como comentários superficiais sobre temas complexos.
A estrutura musical que percorre todo o espetáculo contribui para a sensação ao apresentar um conjunto eclético de ritmos e canções. É difícil compreender qual o seu critério ou significado.
Assim como a projeção na tela de fundo. Alternando imagens ilustrativas e movimentos abstratos ela parece estar mais preocupada com o efeito tecnológico na cena do que com o sentido e com a construção cenográfica do palco.
Se, no título, o “cabaré transpoético” anuncia uma estrutura formal nova e experimental, na prática o que vemos é uma encenação tímida e sem grande alcance crítico.
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