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Artes Cênicas

Turbilhão cênico de 'Uísque & Vergonha' traz à tona grandes atuações

Peça de Nelson Baskerville ganha densidade pouco a pouco com Alessandra Negrini

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Uísque & Vergonha

O espetáculo de Nelson Baskerville adota, nas primeiras cenas, uma inflexão farsesca que acaba levando o espectador a resistir, desnecessariamente.

A protagonista de "Uísque & Vergonha", Charlotiê, mais parece então uma caricatura de comportamento adolescente masculino, um arremedo dos personagens e temas de Mário Bortolotto. Avançando por outros papéis, a peça se estende nisso além do tolerável.

Mas aos poucos, enfim, a gravidade do que está sendo tratado se liberta. Perde o afã juvenil de aparentar isso ou aquilo. E faz o público mais distante se identificar com as pequenas e grandes tragédias da jovem paulistana, em meio a opressão familiar, amor e desespero.

Percebe-se então a qualidade que tantos viram desde logo na escritora Juliana Frank, por trás de suas próprias, por assim dizer, escandalosas performances públicas.

Não que a peça tenha sido escrita por ela, propriamente. Michelle Ferreira, autora de alguns dos melhores textos para o teatro paulistano na última década, responde pelo que chama, no programa de “Uísque & Vergonha”, de “uma adaptação indecente”.

Desenvolve personagens só esboçados no original e mantém a sensação de se estar como numa Paixão de Cristo ou talvez num videogame, passando de uma estação para outra, como desafios ou provações, sem linearidade clara.

Na peça, mais até do que na novela de três anos atrás, o que se tem é uma personagem crescentemente romântica —e cada vez menos superficialmente controversa. Nas estações finais, lembra o teatro “in-yer-face” de ingleses como Sarah Kane e Jez Butterworth, escorrendo dor.

A nova encenação de Baskerville volta a, entre aspas, bagunçar o palco com figurinos, cenários e trilha sem aparente unidade, mas com resultado afinal sensível, tocante. Não é um diretor que facilita a vida para os atores, mas seu turbilhão cênico acaba trazendo à tona, repentinamente, grandes atuações.

Com exceções. No elenco, Gui Calzavara não repete desta vez a forte impressão deixada há poucos meses no inteligente e engraçado Anjo de “Roda Viva”. Sarcasmo pueril, como nos papéis que interpreta neste novo espetáculo, não é o seu forte.

Já Erika Puga, cuja paixão pelo livro estaria na origem da montagem, parece se sentir em casa, intercalando sensualidade e ingenuidade, até beleza plástica, em contraste intermitente com toda a sujeira armada pelo diretor no palco.

Mas é Alessandra Negrini quem dá as variações de tom na apresentação, carregando o público pelos diferentes estágios do caminho de Charlotiê. É com ela que “Uísque & Vergonha” ganha densidade pouco a pouco, encarnando a febre de pensamento de Juliana Frank, mais até do que sua personagem de supostos 14 anos e meio.

Uma Frank que diz somar Shakespeare com Thunder Cats, mas que busca mesmo é o primeiro.

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