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Novos clipes de Madonna e Cardi B reforçam a estetização da violência

Divas pop glamorizam armas e carnificinas, espelhando movimento em alta nas redes sociais

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Cena do clipe da canção 'God Control', de Madonna

Cena do clipe da canção 'God Control', de Madonna Reprodução

São Paulo

No começo lemos um daqueles alertas que funcionam mais para excitar pessoas supostamente pouco inclinadas a ver cenas perturbadoras do que para para preveni-las. Atenção, você está prestes a ver imagens perturbadoras de violência armada, “mas isso acontece todos os dias e tem de parar”.

É assim que somos convidados a entrar no mundo de “God Control”, o clipe da faixa mais politizada de “Madame X”, o novo álbum de Madonna. Todos avisados, estamos diante de uma Manhattan iluminada, vista do Brooklyn. Vozes de locutores ao fundo dão as primeiras notícias sobre o massacre da boate LGBT Pulse, ocorrido em Orlando, no estado americano da Flórida, em 12 de junho de 2016, quando um atirador matou 50 pessoas e deixou outras 53 feridas.

Aparece então, num quarto perdido no tempo, uma compenetrada e rejuvenescida Madonna. Em clima retrô, sentada a uma escrivaninha, ela datilografa a letra da canção. Usa luvas pretas de tule e uma Smith Corona Electra 210, modelo clássico dos anos 1960.

Na parede à frente, para não pairar dúvida sobre o engajamento cool de sua Madame, vemos retratos em preto e branco de Simone de Beauvoir, Frida Kahlo e Angela Davis.

Com a pegada cinematográfica do seminal “Thriller”, de Michael Jackson, de 1983, o clipe navega em layers temporais —mudam as décadas e os horários ao ritmo das sugestões sonoras dessa neon-"protest song" de Madonna. Repetido por um coral juvenil, o refrão “we lost God control” (nós perdemos o controle de Deus) ecoa uma referência à causa do controle de armas ("gun control"), tema quente da política americana —e agora também da brasileira.

O que seria a parte mais chocante, a reconstituição dos tiros em Orlando, é apresentado em flashes. E o que salta aos olhos, no final das contas, é um espetáculo de estetização fashion da violência. Contando, claro, com a caução preventiva do ativismo, que serve para passar o pano no intuito mais flagrantemente mercadológico da produção.

Um parêntese: é o que de certa forma se vê em parte da “arte política” contemporânea, que se vale, num circuito mais high brow, da defesa de causas para legitimar uma produção fraca.
 
Não deixa de ser interessante que uma sobrevivente do massacre, Patient Carter, tenha criticado a encenação do ataque em “God Control”.  “Eu entendo que ela estava tentando conscientizar sobre o controle das armas, mas não acho que tenha sido a melhor maneira de falar sobre isso."
 
Madonna não está sozinha nessa onda de música e violência glamorizada em alta nas redes e plataformas digitais. Além dos antecedentes menos distantes, de Childish Gambino a Rihanna, também a barraqueira Cardi B lançou, na mesma quarta-feira (26), “Press”, sua versão de erotismo, sangue e hip-hop. Dirigido pelo incensado “badass” Jora Frantzis, o clipe é um sedutor festival de provocações, que mistura crime, nudez e ostentação.

Os resultados se contam em visualizações, que escalam aos milhões.

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