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Artes Cênicas

Do crack ao cogumelo, peça traz relatos reais de uso de drogas

Como no filme de George Romero do qual empresta nome, 'A Noite dos Mortos Vivos' liga terror a crítica social

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Paulo Bio de Toledo

A Noite dos Mortos Vivos

  • Quando Seg. e ter., às 20h; até 27/8
  • Onde Sesc Consolação - Espaço Beta, r. Dr. Vila Nova, 245
  • Preço R$ 6 a R$ 20

Há apenas uma mesa no centro do palco em “A Noite dos Mortos Vivos”. Ao redor dela, dois homens e duas mulheres discorrem sobre suas relações com drogas, lícitas e ilícitas. 

Mas não são personagens de uma situação fictícia. São os próprios atores e atrizes falando sobre suas vidas. Ouvimos recordações pessoais, histórias que testemunharam, frustrações que ainda carregam.

Apesar da estrutura biográfica, eles não pretendem fazer da individualidade a matriz estética do espetáculo. A maioria das falas não são dirigidas ao público, mas parte de um debate simulado entre os quatro participantes. Eles interagem e escancaram as distâncias sociais que os separam.

A diretora e atriz Paula Picarelli, por exemplo, conta sobre a ampliação libertadora de sensações que o uso de cogumelos alucinógenos em Amsterdã proporcionou a ela. 

A narrativa gera interesse, mas causa constrangimento, pois ao lado dela está Ronaldo de Morais, que viveu situações infernais com o crack nos anos que passou na prisão. 

A mesa na qual estão todos sentados funciona como um labirinto de espelhos que escancara contradições e multiplica as formas de ver e de entender o que é narrado. É uma proposta de encenação que alcança alto rendimento crítico, principalmente porque o contraste entre os atores não assinala apenas as suas diferenças pessoais, mas a dimensão social da vida privada.

Em um aparente paradoxo, a estética que tende ao personalismo faz o país vibrar em suas contradições e cicatrizes. Os fantasmas internos de cada um, sua intimidade mais profunda, aparecem como fantasmas históricos do Brasil.

Como no filme de George Romero que empresta nome à peça e liga o terror à crítica social nos Estados Unidos de 1968, a atmosfera de suspense faz referência à permanência de abusos e desigualdades em nossa sociedade. Como se nossa história fosse um espectro vivendo entre nós.

O elenco abraça a proposição com coragem e comprometimento. Consegue mobilizar suas histórias sem perder a dimensão do trabalho coletivo e o interesse pelo outro. É como se executasse a máxima cunhada por Ronaldo de Morais sobre sua cura: “Nenhuma resolução é individual”.

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