“É um movimento que demorou para acontecer na obra do Paulo, mas desta vez não tenho nada a ver
com isso”, afirma Alice Ruiz.
A escritora, que cuidou da obra do poeta e compositor Paulo Leminski nos últimos 30 anos, deixou para a filha, Áurea Leminski, a incumbência de satisfazer tradutores e editores mundo afora ansiosos por versos do autor curitibano.
Até o início do ano que vem estão previstas publicações em Espanha, Portugal e Itália.
“A redescoberta da obra dele é contínua e crescente, em especial de dez anos para cá”, diz Áurea. “A reedição de livros esgotados, as exposições e a constante citação de poemas nas redes sociais reavivaram essa produção. Isso tem despertado a procura por seu trabalho em outras línguas.”
Na Espanha, o romance “Catatau”, de 1975, sairá pela Libros de la Resistencia, sediada em Madri, com tradução de Reynaldo Jiménez. O livro deve ser publicado até o fim deste mês. “É uma peça singular da criação literária brasileira entre os anos 1970 e 1980”, diz Edmundo Garrido, editor da Libros de la Resistencia.
Tido como um “romance-ideia”, “Catatau” foi descrito por Leminski como “antissocial e fechado”, por causa de sua complexidade. “Procura captar, ao vivo, o processo da língua portuguesa operando. E mostrar como, no interior da lógica toda-poderosa, se esconde uma inautenticidade. A lógica não é limpa, como pretende a Europa desde Aristóteles. A lógica deles, aqui, é uma farsa, uma impostura.”
Na história, René Descartes vem ao Brasil como tripulante da nau de Maurício de Nassau, no século 17, durante a invasão holandesa no Nordeste.
O texto reúne ditados populares, invenções lexicais, parágrafos inteiros em latim, sem ordem lógica ou estrutura de começo, meio e fim.
“Há um alto nível de improvisação sobre uma base profunda de conhecimento da linguagem. ‘Catatau’ é um híbrido de poesia, teatro, ensaio e romance, com as noções que os unem e separam”, diz o tradutor Jiménez, que há 20 anos se dedica ao livro.
O editor Garrido assinala que a publicação rompe com o estilo da literatura espanhola. “O panorama aqui está concentrado em narrativa mais convencional, por um lado, e poesia lírica, por outro. Na América Latina é diferente.”
Para 2020, a Libros de la Resistencia prepara a tradução de “Agora É que São Elas”, segundo romance de Leminski, publicado no Brasil em 1984.
O escritor definiu a obra como “brincadeira com a mentira de escrever um romance no século 20” e “um romance sobre a minha impossibilidade de escrever um romance”.
“É uma uma novela-fuga, que não pode ser comparada a ‘Catatau’, mas que traz reflexões críticas que fazem menção, inclusive, ao primeiro romance”, afirma Jiménez.
Na Itália, uma coletânea de poemas será publicada com o título de “Distratti Vinceremo”, em alusão ao livro “Distraídos Venceremos”, de 1987.
“Qualquer antologia é uma traição. É um objeto pobre e limitado, em que somos obrigados a condensar a obra de uma vida”, diz o tradutor Massimiliano Damaggio.
Ele conta que conheceu a poesia do paranaense em 2013, quando começou uma busca por novos autores. “Encontrei uma lista de escritores conhecidos como “marginais”. Passei a traduzir Chico Alvim,
Ana Cristina Cesar, Nicolas Behr, Chacal e, claro, Paulo Leminski, posto aí de maneira equivocada”.
O método do italiano para condensar a poesia do brasileiro em livro obedece um roteiro.
“Caprichos e Relaxos” foi uma introdução, após um período de amadurecimento, para a publicação de “Distraídos Venceremos” e “La Vie en Close”, conta Damaggio.
“Nos dois últimos títulos, ele faz com que a vontade autoral não seja guia da escrita, mas que as palavras sejam livres para brotar uma após a outra. É um conceito de ‘não-pensamento’. Tento refazer esse percurso no livro a ser publicado”, explica o tradutor.
Ele vê em Leminski influências do russo Maiakóvski, do francês Mallarmé e do japônes Bashô, criador do haikai, de versos concisos e objetivos.
O italiano diz ter dificuldades para traduzir os versos leminskianos. O objetivo é não fazer uma transposição do português para o italiano, mas manter sonoridade e jogo de palavras que compõem o original. “Nos seus textos, imagens, ritmo e significado formam, em algumas ocasiões, uma só entidade incindível.”
Em Portugal, o livro “Toda Poesia” será lançado na coleção Plural, da editora Imprensa Nacional, que também já publicou nomes como Eucanaã Ferraz, Antônio Carlos Secchin e Alice Sant’Anna.
O compilado, publicado no Brasil em 2013 pela Companhia das Letras, reúne a poesia completa do autor paranaense desde “Quarenta Clics em Curitiba”, seu primeiro título, lançado em 1976.
Questionada sobre a publicação de inéditos do poeta, Áurea Leminski repetiu a esquiva de sua mãe, Alice Ruiz.
“Os originais existem, mas não é uma produção pronta para ser publicada, na concepção dele”, afirma. “Ele deixou tudo organizado, e nós respeitamos essa vontade”.
Prontos ou não, qualquer novo verso de Paulo Leminski resultaria em considerável alvoroço. E ele sabia disso.
“Tudo o que eu faço/alguém em mim que eu desprezo/sempre acha o máximo. Mal rabisco/não dá pra mudar nada. Já é um clássico.”
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