Que poeta é esse, Maiakóvski? O poeta que escreveu versos a Lênin, porque "não há comunhão mais pura e forte que o sentimento de classe", também cantou suas mutilações causadas por dores de amor sem temer comparar-se com Cristo crucificado.
Em "Sobre Isto", ao cantar um amor que rima com dor, ele se desculpa, afinal, é um tema tão banal, tão gasto, mas que, como a revolução, quer "tomar as rédeas do tempo". Eis o fascínio que, tanto o amor quanto a revolução, exercem sobre o poeta —eles nos oferecem a possibilidade de transformar nossa relação com o tempo, fazer história.
Publicado em 1923, o poema inspirou a canção "O Amor", de Caetano Veloso. Sua tradução integral foi recentemente publicada pela editora 34, acompanhada de um precioso estudo feito por Letícia Mei e das cartas trocadas entre Maiakóvski e Lilia, nas quais encontramos a seguinte pergunta: "Que vida nós dois podemos ter, com qual vida eu poderia concordar afinal?".
Escrito no período de separação do casal, o poema foi considerado pelo seu autor como a sua obra-prima.
O poeta, que, mais do que qualquer outra coisa, odiava a mesmice da vida burguesa, a inércia e a imobilidade, canta o amor porque esse é também corroído pela miséria de todos os dias.
Mas o mais grave é que o amor também se deixa destruir pela escravidão do passado, que atravessa as relações amorosas marcando-as com a doença da propriedade, o ciúme.
Se fazer arder os corações é mais difícil do que tomar milhões de Bastilhas, transformar a vida é muito mais difícil do que derrubar mil czares.
Poeta hiperbólico, político e lírico ao mesmo tempo, foi defensor fervoroso da revolução, mas também acusado de ser incompreensível para as massas e excessivamente pessoal. Maiakóvski era um escritor em guerra contra a vida cotidiana, cuja imaginação era tão larga que poderia redefinir a família como composta por um pai, "no mínimo o mundo", e uma mãe que fosse "no mínimo a terra".
Esse novo amor que se desenha em "Sobre Isto" é alcançado através da crítica da família burguesa e do amor que ela produzia, um amor possessivo e criminoso, verdadeira prisão.
O poeta que se recusa a aceitar "tudo/ o que em nós/ está marcado pelo passado de escravidão", que se recusa a aceitar a morte vinda de fora ("Não darei o gostinho/ de ver/ que calei meus versos com um tiro"), que não pode aceitar a morte por não acreditar no além e que tem fé, fé neste mundo, é também o poeta que, oito anos mais tarde, encerraria sua própria vida.
Essa morte aparece como declaração final de inconformismo, para incomodar toda a sociedade e questionar a posterior glorificação que o stalinismo operou na obra e na figura do poeta.
Inconformismo, ainda maior, ainda mais desesperado, porque se situa diante da Revolução de 1917, diante da possibilidade real e desperdiçada de uma transformação plena das formas de viver.
Eis o drama de Maiakóvski. Um descompasso que marcou, desde o início, o surgimento mesmo de nosso tempo, a modernidade; tempo que começa com o advento de um novo tempo produzido por uma revolução.
E então, desde Rimbaud, transformar o mundo não é suficiente se o amor não contiver em si o segredo de uma vida nova, a receita para reinventar a vida.
Maiakóvski cantava o amor como quem cantava a revolução, escrevia sobre o amor como quem ansiava desesperadamente por uma nova forma de viver.
Afinal, a lírica não foi, desde Dante, simplesmente um espaço de expressão individual em que um eu lírico é, digamos, uma faceta do eu real ou empírico, mas, sim, o lugar onde escrever sobre o amor, em prosa como em verso, significava antes de mais nada buscar uma vida nova ou cantar o que jamais se consome.
Larissa Drigo Agostinho é mestre e doutora em literatura pela Universidade de Paris IV-Sorbonne
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