Spotify desiste de plano para promover artistas independentes

Empresa permitia que músicos lançassem música diretamente em seu serviço, mas mudou de ideia

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Daniel Ek, co-fundador e CEO da Spotify Technology SA - Brendan McDermid/Reuters
Anna Nicolaou
Financial Times

Nos meses que antecederam a abertura de capital do Spotify no ano passado, o presidente-executivo da companhia, Daniel Ek, anunciou a Wall Street seus grandes planos para desordenar a indústria da música e conectar artistas aos fãs diretamente.

"O velho modelo favorecia certos intermediários", ele escreveu em uma carta a investidores, tomando por alvo as gravadoras tradicionais. "Hoje, os artistas podem produzir e lançar a própria música".

Na metade do ano passado, a companhia anunciou um recurso que permitiria que artistas lançassem música sem gravadora ou sem distribuidor independente, assim facilitando que os músicos independentes eliminassem intermediários.

Mas passado menos de um ano, a ideia foi abruptamente abandonada. "A melhor maneira de servirmos aos artistas e às gravadoras", a empresa informou em um post de 367 palavras, "é concentrarmos nossos recursos no desenvolvimento de ferramentas em áreas nas quais o Spotify possa beneficiá-los de forma singular".

A reviravolta apanhou os executivos de música de surpresa, depois do entusiasmo demonstrado por Ek e outros dirigentes do Spotify quanto à ideia. O que mudou, portanto?"

"O Spotify fez algo muito audacioso, mas não obteve nada de positivo com isso", disse Mark Mulligan, analista da Midia Research. "Eles antagonizaram [as gravadoras] mas não obtiveram muitos artistas de sucesso ao fazê-lo. O mais importante talvez seja o fato de que isso não mexeu a agulha quanto ao preço das ações". As ações do Spotify registram mais de 15% de queda nos últimos 12 meses.

Os investidores inicialmente encaravam a estratégia do Spotify como caminho para a lucratividade em longo prazo, porque tornaria a empresa menos dependente das grandes gravadoras que controlam o setor.

Os analistas de Wall Street costumam argumentar que em longo prazo o Spotify precisará produzir conteúdo ou controlá-lo, para evitar o pagamento de royalties salgados, da mesma forma que a Netflix produz filmes e programas de TV originais.

O Spotify paga mais de 70% do valor que fatura aos detentores de direitos. Para os artistas que sobem música diretamente para o app do Spotify, o valor dos royalties pagos é de cerca de 50% do faturamento, o que os torna uma fonte de conteúdo de custo mais baixo.

Tipicamente, para levar música a uma plataforma de streaming os artistas precisam assinar com uma gravadora ou pagar distribuidores como o SoundCloud. Por meio de um programa beta este ano, o Spotify ofereceu a algumas centenas de artistas a oportunidade de fazer a mesma coisa de graça, sem gravadora.

A história de maior sucesso foi a de Noname, poeta tornada rapper que atraiu 1,4 milhões de ouvintes ao Spotify. Ela subiu seu álbum "Room 25", idolatrado pela crítica, usando a plataforma do Spotify.

Mas para a empresa os argumentos se provaram menos convincentes. O conteúdo sonoro subido por usuários é um mercado difícil, com margens ínfimas. O mercado está lotado: dezenas de empresas oferecem serviços de marketing e distribuição pagos a artistas independentes, entre as quais SoundCloud, CD Baby e TuneCore.

"Ainda que o Spotify seja muito grande, há muitas outras plataformas no mercado", disse Pieter van Rijn, presidente-executivo da Fuga, uma das plataformas de upload que o Spotify recomenda que seus aristas independentes usem, agora. "Mas foi definitivamente uma surpresa para mim que eles tenham decidido parar, porque falaram muito sobre [o plano]".

Van Rijn diz que o setor está "em transição", com mais empresas executando serviços que costumavam caber às gravadoras. "Os artistas procuravam as gravadoras, as gravadoras contatavam distribuidores, e os distribuidores levavam o produto ao consumidor, em streaming ou via lojas", ele disse.

"Agora estamos vendo [alta] forte no número de empresas capazes de fornecer esses serviços aos artistas para que lancem produtos diretamente".

O esforço por atrair artistas independentes também desgastou o relacionamento entre o Spotify e as grandes gravadoras, e o momento da reviravolta anunciada por Ek esta semana é sintomático: a empresa está em meio a importantes negociações de licenciamento com as gravadoras, que afetarão suas margens de lucro por anos.

Quanto aos investidores, o Spotify agora enfatiza os podcasts, sua mais recente aposta em controlar conteúdo exclusivo. A empresa planeja gastar US$ 500 milhões em aquisições nesse ramo. Mark Mahaney, analista da RBC Capital, antecipa que o investimento em podcasts possa gerar US$ 500 milhões anuais em faturamento para o Spotify, em 2022.

"Não é por coincidência que eles estão promovendo os podcasts com tanta agressividade", disse Mulligan. "Precisavam de outra narrativa para apresentar aos investidores.

O risco calculado que o Spotify está assumindo é o de que os investidores sintam que os podcasts têm possibilidades de ascensão suficientes para compensar a [aposta fracassada].

O movimento dos preços das ações nas duas próximas semanas nos dirá se isso é o bastante".

Tradução de Paulo Migliacci

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