Descrição de chapéu Livros

'Famigerado' desconstrói imagem folclórica do Bandido da Luz Vermelha

Um homem que lutava contra o sistema, seduzia mulheres nas casas que assaltava e se vestia como músico da jovem guarda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

Por mais de 50 anos o Bandido da Luz Vermelha tem sido visto como folclórico  —um homem que lutava contra o sistema , seduzia as mulheres nas casas que assaltava e se vestia como um músico da jovem guarda, com lenços de caubói escondendo o rosto, chapéus extravagantes e botinhas de roqueiro.

Essa imagem, divulgada pela imprensa sensacionalista da época e também pelo filme “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla, está prestes a desaparecer. Na sexta (1º), o jornalista Gonçalo Junior lança “Famigerado – A História de Luz Vermelha, o Bandido que Aterrorizou São Paulo nos Anos de 1960”.

Como diz o subtítulo do livro, o bandido que emerge dali é aterrorizante. Em pouco menos de um ano e meio, ele assaltou 154 mansões e casas de classe alta nos bairros nobres de São Paulo, matou oito homens e estuprou, segundo policiais, cerca de cem mulheres durante os seus roubos.

Ele realmente usava roupas extravagantes, perucas, era bissexual e se dizia guitarrista de bares da rua Augusta. Mas espancava suas vítimas com coronhadas, quebrava narizes de meninas após arrastá-las pelos cabelos, incendiava corredores para que os moradores saíssem de seus quartos e, após trancar os maridos nos banheiros, fazia “fuque-fuque”, conforme descreveu, com suas mulheres.

“A fúria e a violência do Bandido da Luz Vermelha mataram todo o romantismo que havia em São Paulo até aquela época. Depois dele, a cidade nunca mais foi a mesma”, resume uma das vítimas entrevistadas por Gonçalo Junior.

“Antes dele, as casas de São Paulo não tinham muros ou grades”, diz o jornalista. “Mas passaram a ter após essa série de crimes.” A luz vermelha que lhe deu o nome veio da lanterna Eveready com que acordava as vítimas em suas camas, apontando-lhes o facho em seus rostos. Em torno da luz branca principal, um halo de luz vermelha se sobressaía.

A caçada ao criminoso acabou em 7 de agosto de 1967, quando a Folha publicou em sua primeira página um retrato do bandido, com o título “Procura-se”, imitando um cartaz de faroeste americano.

Foi o primeiro e único jornal a mostrar a cara do bandido naquela segunda-feira, e a estratégia rendeu resultado. Na tarde do mesmo dia, quando os exemplares chegaram a Curitiba, um vendedor de bilhetes da loteria reconheceu o sujeito, que estava hospedado em sua casa, após ter fugido de São Paulo no sábado.

Ao retornar à casa do vendedor, uma tocaia já estava armada. Preso pela polícia curitibana, foi levado na mesma noite de volta para São Paulo.

O jornalista teve acesso a documentos inéditos. João Acácio Pereira da Costa foi réu em 88 processos e, com exceção dos quatro que o condenaram por assassinato, os restantes nunca haviam sido revelados.

Todos correram em segredo de Justiça para preservar a honra das famílias assaltadas.

Quase 50 anos depois, Gonçalo passou oito meses fotografando suas 23 mil páginas, transformando-as em uma narrativa de 420 páginas. Teve a ajuda de 25 entrevistados, além de fotos e imagens de jornais da época. Uma das vítimas demorou cinco anos para conceder entrevista.

Dos quatro homicídios de que foi réu (outros quatro não viraram processos), três foram realizados em invasões a residências. O quarto deles foi o mais cruel.

“João Acácio vestia, segundo testemunhas, terno cinza, camisa de rendas, colete vermelho, gravata de veludo também vermelha e botinhas brancas, de cano curto. Não se deu conta de que deixou na calçada o chapéu, apreendido minutos depois pela polícia”, descreve o livro.

Pouco antes ele havia descarregado dois revólveres em um peão de obras que aguardava um ônibus no Brás. O rapaz se agarrou a João Acácio, que deu tantas coronhadas em sua cabeça que sua massa encefálica se espalhou pela rua.

Pessoas no bar em frente disseram que o crime se deu porque o rapaz riu de suas roupas. Mas Gonçalo Júnior esclarece que eles já tinham tido uma desinteligência dias antes, quando o bandido tentou espancar um garoto de rua e o operário não permitiu.

Uma das razões de a polícia paulistana ter demorado para encontrá-lo foi que João Acácio mudou sua estratégia algumas vezes. Chegaram a perseguir quatro assaltantes diferentes: o Homem-Macaco (porque usava um macaco de automóvel para arrebentar portões ou grades em janelas), o Bandido Mascarado (por usar um lenço ou toalha sobre o nariz), o Bandido Incendiário (por tocar fogo nos corredores das casas) e, finalmente, o Bandido da Luz Vermelha.

Só quando foi preso, em agosto de 1967, a polícia se deu conta de que João Acácio era os quatro ao mesmo tempo.

Estima-se que o bandido tenha roubado três milhões de cruzeiros novos apenas em joias. Com isso, na época, compravam-se 750 Fuscas.

Preso no Carandiru após receber pena de 352 anos de reclusão, foi internado diversas vezes em manicômios judiciários, às vezes por períodos que chegavam a sete anos. Libertado após 30 anos, saiu em agosto de 1997 e foi assassinado com um tiro de espingarda no olho quatro meses depois.

Havia estuprado a mãe de 79 anos do dono da casa onde estava morando, em sua cidade natal, Joinville (SC). Também ameaçara estuprar a filha de 13 anos de seu matador. Em sua lápide, na mesma cidade em que nasceu e morreu, consta: “João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha – 1942-1998”.

Famigerado

  • Preço R$ 74,90 (420 págs.)
  • Autor Gonçalo Junior
  • Editora Noir
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.