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'Cansei do circuito falido da poesia', diz Régis Bonvicino, que lança álbum

Poeta rompe silêncio com textos inéditos em áudio que farão parte de livro futuro

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São Paulo

Régis Bonvicino está de saco cheio. Sentado no sofá de sua sala, ele veste um combo de shorts, camiseta e chinelos que são a face visível de seu afastamento do estereótipo moderninho da literatura contemporânea. “Cansei do circuito falido da poesia”, sentencia o poeta de 64 anos.

Sem lançar um livro com textos inéditos desde 2013, quando saiu “Estado Crítico” pela editora Hedra, Bonvicino tem uma resposta rápida quando questionado se não acredita que o circuito de poesia está mais próximo de ser viciado, por dar destaque quase sempre aos mesmos escritores e editoras —mas não falido, já que a produção de novas obras é incessante.

Ao ouvir a pergunta, ele se levanta do sofá, vai ao computador e procura um sinônimo para falido. “O mundo literário hoje é distorcido, injusto.”

Um pouco por isso ele decidiu se afastar desse universo —mas não da literatura. Bonvicino lança na próxima quinta-feira (21) “Deus Devolve o Revólver”, álbum sonoro com 20 poesias inéditas declamadas por ele. Também participam Caroline De Comi e Charles Bernstein, com produção de Rodrigo Dário.

Os poemas são o extrato de  um livro que terá mais de 40 novos textos e será intitulado “A Nova Utopia”, com previsão de lançamento para meados de 2020. Mas, se um novo título impresso vem por aí, como fica a história de que o circuito está falido, distorcido, injusto? “Vou publicar porque acho que é um bom trabalho, mas ele talvez nem seja lançado”, conta.

Em seguida, o poeta pensa alguns segundos e, após um breve silêncio, completa: “Um livro agora não me daria qualquer prazer, que foi o que senti fazendo esse álbum e reencontrando o meu começo”.

Há mais coisas por trás dessas palavras do que um mero cansaço ou irritação. Em outubro do ano passado, a filha de Bonvicino, Bruna, se matou aos 25 anos. “Foi um ano de decoro pelo luto. Como eu poderia lançar poeminha depois da morte da minha filha?”

Duas das poesias do projeto foram escritas nesse ano: “Haiku” e “A Nova Utopia (7)”, feita a partir da perda da filha.

“Deus Devolve o Revólver” marca a saída do silêncio após a tragédia familiar. O álbum, que será lançado na Unicamp, vem também acompanhado de um libreto. Ao estilo das publicações das óperas, suas páginas abrigam alguns dos poemas e textos do crítico literário Alcir Pécora e do jornalista Irineu Franco Perpétuo.

Concluído após 30 horas de gravação em estúdio e de semanas ouvindo Marilyn Manson e explorando a obra de Pier Paolo Pasolini, a nova empreitada poética de Bonvicino foi toda financiada por ele próprio. “Saiu mais barato do que editar um livro”, ironiza. 

Embora diga que não quer entrar em polêmicas, o poeta não se furta a colocar todo o mercado literário contra a parede. Diz que que os jurados dos principais prêmios são sempre os premiados dos anos seguintes, engrenagens de um sistema que se retroalimenta —e aparta quem não faz parte desse jogo.

“Vivemos hoje um empobrecimento intelectual no qual os artistas se acham melhores do que os outros e a arte perdeu o confronto para se tornar decorativa”, provoca.

Não parece uma generalização saudosista? Ele esboça um sorriso. “Estou de saco cheio de editoras e do meio literário, mas me diga: o que existe hoje?”, pergunta.

Deus Devolve o Revólver

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