Descrição de chapéu

Exposição explora pela primeira vez o tema dos hotéis em Edward Hopper

Organizadores recriaram um quarto retratado pelo americano em 'Western Motel' (1957)

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Sebastian Smee
The Washington Post

No fim do mês passado, por algumas horas, senti que minha vida estava assumindo as cores e climas de um quadro de Edward Hopper. Era algo que já tinha me acontecido —nos minutos fantasmagóricos posteriores à minha chegada a quartos de hotéis desconhecidos em cidades desconhecidas.

O que tornou a experiência estranha foi que eu estava a caminho do Museu de Belas Artes da Virgínia para ver a magnífica exposição “Edward Hopper e o Hotel Americano” (em cartaz até 23/2).

Cheguei ao local logo depois da abertura e caminhei na direção da mostra sentindo tanto alívio quanto uma sensação estranha de familiaridade.

O escritor V.S. Naipaul, que viajava muito, sabia o que o agradava nos hotéis: “A transitoriedade, os serviços mercenários, a ausência de responsabilidade, o anonimato, o escopo para a queixa”. Mas a maioria das pessoas que costumam se hospedar regularmente em hotéis os veem, acredito, sob uma luz mais ambivalente.

Edward Hopper certamente o fazia e é difícil superestimar a influência que sua visão distintiva sobre os hotéis teve sobre a imaginação cultural dos Estados Unidos, não apenas nas artes visuais mas também nos contos, romances, filmes e televisão.

A exposição de Richmond foi organizada por Leo Mazow e Sarah Powers, e é a primeira a tomar por tema um assunto que, percebe-se instintivamente, tinha importância central para a carreira e a sensibilidade desse grande pintor americano do século 20. 

Ela inclui mais de uma dúzia de quadros importantes de Hopper, emprestados por diversas instituições, uma excelente coleção de desenhos e aquarelas e obras de outros artistas relacionadas a Hopper.

O pintor passou alguns anos na década de 1920 fazendo ilustrações para as capas de duas revistas do setor de hotelaria americano. Ele e sua mulher, Jo, também viajavam muito.

Muita coisa nos quadros de Hopper indica as mudanças no setor hoteleiro americano.

Como Anton Tchékhov, Hopper era tanto realista quanto um editor impiedoso. Do mesmo modo que nos contos de Tchékhov, por sob o lustro do realismo, há uma simplicidade bíblica e sucinta, os interiores de Hopper são desprovidos de detalhes.

Como parte da exposição, os organizadores recriaram um quarto retratado por Hopper em “Western Motel”, (motel no oeste, de 1957). Os visitantes podem se hospedar no quarto, mas não consigo imaginar qualquer coisa menos atraente do que acordar em um quarto como aquele.

 
 

Registrar o artifício da arte límpida de Hopper pode nos libertar para que vejamos a conexão entre os quartos de hotel e a pintura. Os dois magnetizam o desejo e o anseio por escapar. Os dois também incorporam certa medida de desapontamento —um quarto de hotel jamais é um lar, e mesmo o mais belo dos quadros termina sendo, em última análise, apenas um quadro.

Talvez isso fosse o que mais agradasse Hopper nos quartos dos hotéis —o fato de que são lugares nos quais a narrativa se rompe, onde as histórias vão a lugar nenhum, e onde a vida fica no limbo.

Minha obra favorita na exposição é “Room in New York” (quarto em Nova York, de 1932). Uma mulher de vestido vermelho mexe nas teclas de um piano, enquanto seu companheiro lê. O corpo dela parece estar se contorcendo com a antecipação do prazer físico e, ao mesmo tempo, arder com o abandono.

Essa é minha projeção, claro —mas como posso ter certeza? No entanto, não existe dúvida de que Hopper estava atento ao sabor da ambivalência em todas as promessas feitas pelos hotéis. Sexo é a mais óbvia, mas também um fervor físico e mental que parece derrapar à beira da estagnação.

As pinturas de Hopper não funcionam tão bem quando tentam tornar as duas coisas, o sexo e a estagnação, explícitas na mesma imagem (“Room in New York” é uma rara exceção). 

Parte do problema é a dificuldade aparente de Hopper em lidar com a representação do corpo feminino. O problema mais profundo é que esses corpos parecem lascivos e gratuitos, enquanto, ao mesmo tempo, o tratamento rígido de Hopper lhes confere uma certa pudicícia ianque.

Mas eu amo Hopper e consigo perdoar seus quadros fracos, porque mesmo eles transpiram um amor franco pela vida comum e vulnerável.

Não vejo Hopper como um pintor religioso, mas poucos artistas aproveitaram melhor o potencial poético de raios diagonais de luz colorida.

O que resta a dizer? Comovido, atônito, e esperando alguma mensagem, deixei o museu e tomei a rodovia interestadual 95, a caminho de casa.

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