Abstracionismo geométrico de Gego encerra ano feminino do Masp

Exposições contemplam trabalhos que desafiam os suportes da alemã e da portuguesa Leonor Antunes

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São Paulo

Gertrud Goldschmidt, a Gego, levou tempo até virar artista. Foi só aos 40 e poucos anos, mais de uma década depois de chegar a Caracas , na Venezuela, fugida do antissemitismo da Alemanha natal, que ela decidiu que iria apostar na carreira.

 

Os quase 40 anos seguintes deram conta de compensar o tempo, como mostra a retrospectiva da artista que o Masp abriu na última quinta-feira  (12), com cerca de 150 obras.

Naquele início, Gego pintava as casinhas de Tarma, povoado a cerca de uma hora da capital venezuelana para onde, recém-separada do marido, se mudou com o designer gráfico lituano Gerd Leufert.

Não demorou, porém, até que descobrisse os padrões geométricos abstratos que reproduziu até o fim da vida. Estes se repetem na exposição, primeiro em gravuras, desenhos e esculturas cinéticas, que brincam com a percepção dos visitantes, depois em estruturas de arame que se tornaram sinônimo de Gego.

As últimas compõem grande parte da mostra. São “assemblages” exibidas a certa distância das paredes, cujas sombras se confundem com as obras. Ou amontoados de varetas e constelações formadas por triângulos e quadrados que, penduradas no teto, tocam delicadamente o chão.

É com uma delas —no caso, sua primeira “Reticulárea”, de 1969, uma teia de arame que escala as paredes do Museu de Belas Artes de Caracas e que, no Masp, aparece em uma série de fotografias— que Gego se “emancipa”, diz Pablo León de La Barra, curador da mostra ao lado de Tanya Barson e Julieta González.

Vem daí, aliás, o subtítulo da retrospectiva: A Linha Emancipada. O nome tem origem em uma fala recorrente de Gego, que descrevia suas peças como “desenhos sem papel”. 

Mas também simboliza outros aspectos da trajetória de libertação da artista, diz León de la Barra. Afinal, ela foi uma judia que escapou do nazismo, uma arquiteta que abandonou a prancheta, uma mulher que se separou do marido em plenos anos 1950.

O curador ainda enxerga nas “Reticuláreas” um ponto de encontro entre os trabalhos da alemã e o neoconcretismo brasileiro, que propunha uma comunhão entre público e obra.

Até “Bichos” Gego fez, embora os trabalhos só tenham em comum o nome com as icônicas esculturas articuláveis de metal de Lygia Clark. Priscila Abecasis, diretora-executiva da Fundación Gego, conta que na Venezuela o termo é como o “coisa” do português, usado no lugar de qualquer outra palavra.

A mostra é a primeira individual da escultora no país, que morreu em 1994 e teve obras expostas em três Bienais de São Paulo, a última no ano passado. A exposição também encerra um ano em que o Masp lançou luz sobre mulheres deixadas de lado na história da arte.

Uma classificação adequada no caso de Gego, segundo o curador. Apesar de ter obras em coleções como a do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, ela costuma ser bem menos lembrada do que seus colegas cinéticos venezuelanos, caso de nomes como Jesús Rafael Soto e Carlos Cruz-Díez, por exemplo.

“Esse é um trabalho conjunto para posicionar Gego como uma grande artista latino-americana”, diz o León de la Barra, acrescentando que, depois, a mostra segue para Museo Jumex, na Cidade do México, o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona e para a Tate Modern, em Londres.

A depender da artista portuguesa Leonor Antunes, porém, Gego não será esquecida. Uma das esculturas que Antunes apresenta no museu, também desde quinta (12), remete às teias da alemã, uma frágil rede metálica dourada.

Outras obras dialogam com o arquiteto italiano Franco Albini, a designer cubana Clara Porset e Lygia Clark (a padronagem do piso foi inspirada numa “Superfície Modulada” da artista). Uma estratégia que, segundo a portuguesa, se tornou central em seu trabalho nos últimos anos. “Me interessei por algumas figuras que acredito que, ao longo da história da arte e do design, foram menosprezadas pelo contexto”, afirma.

A conversa mais direta que Antunes trava, porém, é com Lina Bo Bardi, arquiteta que projetou o prédio do Masp.

Deixando à mostra as paredes de vidro, em geral cobertas para não danificar o acervo, uma coluna xadrez preta e branca suspensa, formada por módulos de alumínio, imita um pilar de “Caipiras, Capiau, Pau a Pique”, exposição que Bo Bardi montou no Sesc Pompeia em 1980. 

Ao lado dela, uma estrutura de madeira amplifica as pernas de uma cadeira que a ítalo-brasileira projetou. Antunes ainda foi convidada para ocupar a residência de Bo Bardi, a Casa de Vidro, na zona sul de São Paulo.

Em vez de instalar obras de sua autoria no local, no entanto, a portuguesa decidiu simplesmente tirar os vestígios do marido de Bo Bardi, Pietro Maria Bardi, da casa. Saíram quadros e esculturas do colecionador, vieram os antigos móveis e pertences pessoais da arquiteta.

“Ele dominava muito a cena aqui no Brasil. Acho que era uma personagem muito mais interessante do que ele”, justifica a portuguesa.

Gego e Leonor Antunes
No Masp (av. Paulista, 1.578). De quarta a domingo, das 10h às 18h. Terças, das 10h às 20h. Até 1º/3. R$ 40. Terças, grátis.

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