Em 2017, na Estação Pinacoteca, o fotógrafo Mauro Restiffe exibiu uma coletânea de cenas da sua família na exposição “Álbum”. Estavam à mostra, formando uma linha horizontal na parede, registros feitos durante 20 anos de sua mulher, filhos e pais, flagrados em momentos banais ou tão únicos como a alegria de um nascimento e a dor de uma cama de hospital.
Passados dois anos, Restiffe retoma o formato da extensa linha de imagens na mostra “History as Landscape” (história como paisagem), em cartaz até 5 de janeiro na OGR, em Turim, no norte da Itália. É sua primeira individual no país.
Dessa vez, no entanto, a intimidade familiar quase desaparece para que o visitante observe o interior de casas comuns, de mansões que viraram museus, de palácios e lugares públicos como avenidas, praças, teatros e universidades.
Concebida pelo escritório paulistano Metro Arquitetos, a linha serve tanto para organizar a disposição das 69 imagens quanto para justapor cenas que aparentemente nada têm a ver entre si. O preto e branco predominam, mas as fotos coloridas reforçam o tom de miscelânea. Desvendar o que é recente e o que é antigo é difícil.
Um casarão italiano dos anos 1930 foi fotografado neste ano, enquanto a Esplanada dos Ministérios, construída nos anos 1950 em Brasília, foi registrada em 2003. O processo totalmente analógico ajuda a confundir a passagem do tempo.
Assim como em “Álbum”, na Pinacoteca, Restiffe voltou ao seu acervo para extrair grande parte das imagens da exposição de agora. Lado a lado, estão também fotografias feitas no primeiro semestre de 2019 em cidades italianas.
“Quisemos levar adiante esse projeto do Mauro de interpenetração entre arquitetura e vida e trazê-lo também para a Itália”, conta a cocuradora Giulia Guidi, que assina a mostra com Nicola Ricciardi. “A ideia era aproximar suas fotos mais históricas, como o funeral de Oscar Niemeyer, de obras de arquitetos importantes da Itália”, diz Guidi.
Entre os projetos registrados por Restiffe estão a Villa Necchi Campiglio, de Piero Portaluppi, em Milão, e o museu de Castelvecchio, restaurado por Carlo Scarpa em Verona.
“O que emerge, inclusive como instalação, é um tipo de paisagem. O modo como estão colocadas as fotos, a sucessão e o ritmo fazem criar uma espécie de skyline de uma cidade.”
Essa linha de imagens ocupa um muro branco de 40 m de comprimento e 4 m de altura, que, com a ajuda da iluminação, atrai subitamente quem entra na sala escura de 750 m².
Construída em 1895, a OGR (Officine Grandi Riparazioni) foi uma oficina para o conserto de trens. Depois de anos fechada, foi reformada e reaberta em 2017 como centro cultural.
Ao se aproximar do muro branco e conferir as dezenas de fotos, emolduradas em tamanhos diversos, o visitante se dá conta de que essa paisagem tem alguns sobressaltos.
Entre as imagens iniciais, encontram-se pessoas enroladas na bandeira do Brasil com as torres do Congresso Nacional ao fundo, balões da CUT (Central Única dos Trabalhadores) na avenida Paulista, a Esplanada dos Ministérios lotada.
Para grande parte dos brasileiros, as cenas são familiares. São registros da primeira posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, dos protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e da posse de Jair Bolsonaro, em janeiro, fotografada a pedido da Folha.
Para quem não decifra os momentos, incluindo os italianos, os nomes e as datas dão pistas: “Empossamento” (2003), “Não Vai Ter Golpe” (2016) e “Inominável” (2019).
Se há dois anos Restiffe expôs sua intimidade familiar, agora é a vez de a intimidade do Brasil ser revelada na Itália. “Hoje, pensando no que está acontecendo no Brasil, é impossível desassociar o público do privado. As coisas estão muito fundidas uma na outra”, diz o fotógrafo. “Tentei endereçar um pouco isso, fazer essa mistura.”
A ideia também está embutida no título, história como paisagem. “Quis pensar essa relação entre esses dois núcleos, o tom mais documental de eventos históricos e outro mais intimista, de vivência. Na fusão entre eles, é criada essa paisagem”, explica Restiffe.
Ou, como resume a cocuradora Guidi, ao alternar a história de uma família e a de um país, as fotografias de Restiffe nos fazem entender que a arquitetura é o “palco cênico da vida”, seja ela privada ou pública.
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