Atriz cria espetáculo para poder se sentir ao lado da mãe mais uma vez

Helena de Jorge Portela apresenta 'Foi Assim que o Oceano Invadiu a Minha Casa' em São Paulo

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Helena Carnieri
Curitiba

Quando a mãe morreu inesperadamente em 2016, Helena de Jorge Portela sentiu-se à deriva em alto-mar, sozinha e isolada. Além de amigas, as duas eram colegas de profissão, tendo dividido o palco em muitas peças de teatro em Curitiba.

Sem conseguir falar sobre o assunto, mas também incapaz de sair de uma espiral destrutiva de luto, ela decidiu mergulhar de cabeça na dor e escrever um monólogo. 

O projeto surgiu por convite da companhia curitibana Súbita e integra a série de solos autorais "Habitat - Estudos do Corpo como Casa", que tem apresentações na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo, a partir do dia 20 de janeiro.

Participam de "Habitat", além de Portela, outros quatro artistas, cada um com um monólogo carregado de componentes autobiográficos. Os solos estrearam em fevereiro de 2019.

 
A atriz Helena de Jorge Portela em cena: solo veio como salvação. Atriz cria solo para lidar com a morte da mãe.
A atriz Helena de Jorge Portela em cena: solo veio como salvação. Atriz cria solo para lidar com a morte da mãe. - Fábio Alcover/Divulgação

O texto que ela escreveu e em que atua,"Foi Assim que o Oceano Invadiu a Minha Casa", é composto por uma série de fragmentos de conversas, tendo como mote a ideia de ter "mais um segundo" ao lado da mãe já morta.

"Eu precisava falar sobre isso e ainda é o que quero falar, mas protegida pela quarta parede, pelo figurino, pela iluminação e pelos artistas maravilhosos que não me abandonaram no pior momento da minha vida", afirma a atriz. A direção é de Maíra Lour, com direção de movimentos de Kátia Drumond.

Cada vez que sai de cena em 'Foi assim que o Oceano invadiu a minha casa', Helena de Jorge Portela conta que está um pouco melhor
Cada vez que sai de cena em 'Foi assim que o Oceano invadiu a minha casa', Helena de Jorge Portela conta que está um pouco melhor - Fábio Alcover/Divulgação

A cada apresentação da obra de cerca de 40 minutos, com coreografia e texto calcados em suas memórias ao lado da mãe, Portela conta que sai de cena um pouco melhor, fortalecida. No final, ela nomeia a mãe, Claudete Pereira Jorge, e enumera atrizes brasileiras como Bibi Ferreira e Tônia Carrero, além de diretores e atores brasileiros já mortos, como uma grande nuvem de ancestrais que a ajudam a sair do palco para continuar vivendo e criando.

"Trabalhamos juntos em 1999, e é comovente ver como o trabalho de atriz da Helena se expandiu", diz Diego Fortes, que dirige espetáculos em São Paulo desde 2016. "É muito bonito como um trabalho com tanto aparato técnico se torna uma dança tão expressiva."

Foi ao lado da mãe, morta em julho de 2016 aos 62 anos após sofrer um ataque cardíaco em casa, que Portela viu pela primeira vez um intérprete de Libras fazer a tradução simultânea de um texto artístico —um trecho do incensado livro "Catatau", de Paulo Leminski.

Foi paixão à primeira vista. Na mesma noite, a atriz começou a estudar Libras e fundou uma companhia para dar corpo a espetáculos "bilíngues", falados em português e na língua brasileira de sinais ao mesmo tempo e pelos mesmos atores.

No solo de Portela, o gestual de Libras amplifica o retrato do sofrimento relacionado à perda de um ente querido. 

"A falta que faz um abraço, ouvir a voz, é muito difícil. E eu não conseguia escrever sobre isso", diz Portela. "Eu até pensava 'tomar banho pra quê?'. Então encontrei a metáfora do oceano e entendi que estava tentando me salvar dentro de um vórtice de sofrimento, e o solo me ajudou a canalizar essa energia, me deu um novo sentido. No meu caso, a arte realmente salva."

Habitat - Estudos do Corpo como Casa

 
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