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Contaminação por mercúrio na Amazônia é tema de novo filme de Jorge Bodanzky

Em fase de finalização, documentário acompanha pesquisadores e busca respostas em caso japonês

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São Paulo

“O cinema, hoje, é insignificante.” O cineasta Jorge Bodanzky, 78, diz que o streaming tem muito mais facilidade de ser financeiramente sustentável e de chegar ao público interessado em documentários e na Amazônia, tema que domina, do que o cinema tradicional.

Sua mais recente incursão à floresta revelou que populações indígenas e brancas do Pará estão com altos níveis de contaminação por mercúrio.

A causa dessa contaminação é o garimpo, em sua maioria ilegal e sem qualquer controle, que se estende pelo rio Tapajós, do rio das Tropas a Santarém.

“Amazônia, uma nova Minamata?” é o nome de seu novo filme, exibido no começo de fevereiro na Universidade de Oxford, na Inglaterra, durante um colóquio com cientistas e lideranças indígenas —os caciques Raoni e Davi Kopenawa e a deputada Joênia Wapichana entre elas.

A floresta amazônica que aparece nos primeiros minutos do vídeo é lamacenta. As imagens possuem um tom terroso, diferente do verde habitual presente no imaginário das pessoas.

 

Esse cenário impressionou o pesquisador japonês Hirokatsu Akagi, que vem ao Brasil regularmente, em projeto do Instituto Evandro Chagas, para monitorar os níveis de mercúrio na população. 

No Japão, ele cresceu numa área vizinha à baía de Minamata, palco de um incidente que intoxicou centenas de pessoas. No documentário, ele se diz surpreso com a gravidade da intoxicação.

O desastre deu nome a uma síndrome, que danifica gravemente o sistema neurológico em decorrência da contaminação pelo mercúrio.

O envenenamento é silencioso. Uma indústria lançou metil mercúrio, um tipo mais tóxico do metal, por décadas na baía japonesa. Os peixes, principal fonte de alimento na região, foram o veículo do mercúrio para dentro do corpo das pessoas. 

Mas as primeiras vítimas japonesas, com convulsões e surtos psicóticos, só foram diagnosticadas 30 anos depois.

Quem contou a história a Bodanzky foi Erik Jennings, médico especializado em saúde indígena que esteve em uma comissão do Senado em 2019 para denunciar a contaminação. “Achei estranho ele falar em aumento nos pedidos de cadeiras de rodas para crianças.”

Com décadas de experiência, o médico afirma que o mercúrio é um indicador da maioria dos problemas que atinge a população e a floresta no Tapajós e em Santarém. 

A partir do monitoramento em 21 aldeias dos munduruku, em cinco rios diferentes, o neurocirurgião aponta no filme que já existem casos de epilepsia e alteração no desenvolvimento e no estado mental semelhantes aos de pacientes de Minamata.

“Isso é um problema social. Depois ambiental, depois econômico e, por último, de saúde. A intoxicação por mercúrio é a ponta. Por baixo, há uma desestruturação social. E quem vai entender são eles”, diz Jennings.

“Eles” são os indígenas e ribeirinhos não-indígenas, que convivem diariamente com o problema. As imagens mostram uma série de fotografias de satélite com a evolução das margens dos rios, que se tornaram cavas lamacentas em meio à corrida do ouro. 

“Engravidei duas vezes. As duas vezes, no pré-natal, os médicos que me acompanharam, obstetras, me proibiram de comer peixe. Nenhum tipo de pescado da região. Porque existe o risco de contaminação mercurial”, diz uma personagem nas imagens. 

O mercúrio é jogado nos buracos para se juntar ao ouro e deixá-lo mais pesado, para que assim seja peneirado e depois separado dos outros metais e de pedras. Parte dele é lavado com a lama e carregado para o leito do rio, onde entra na cadeia alimentar por meio dos peixes.

Também chega à atmosfera —parte dele evapora ao ser queimado na separação do ouro. E o solo amazônico tem mercúrio retido. Desmatado, perde o mercúrio para os rios quando chove, e para a atmosfera, por causa de queimadas.

“Então você tem uma cidade como Santarém, que está longe do garimpo, mas está contaminada pelo ar e pelos peixes consumidos”, diz Bodanzky. 

Em uma situação sem saída aparente, o cineasta diz querer evidenciar os resultados de pesquisas de Jennings e da Fundação Oswaldo Cruz, que analisa níveis de mercúrio em populações diversas a partir de dados do Instituto Evandro Chagas. E ajudar a mostrar as saídas, como a proposta de buscar em cada região por peixes que não sejam carnívoros para evitar o acúmulo do metal na cadeia alimentar.

O diretor diz que não conseguiu autorização para filmar, mas conseguiu acompanhar as equipes de pesquisa para fazer os registros. A produção segue sua marca, com quatro ou cinco pessoas na equipe. As filmagens aconteceram em 2019.

Perguntado sobre a viabilidade de soluções capitalistas para a Amazônia, frase do ministro do meio ambiente Ricardo Salles, Bodanzky se disse a favor.

“Eu acho que a única solução pode ser essa. Porque você não pode fechar a Amazônia, fazer uma gaiola, na prática. Mas vamos fazer de modo inteligente. Quem trabalha com isso é o Carlos Nobre [cientista do Inpe], ele tem informações de que a floresta em pé tem mais condições de dar vida digna às pessoas do que trabalhar em fazenda de gado ou de soja.”

O documentário, com 70 minutos, já está sendo montado. O próximo passo é, com o financiamento que o diretor busca, realizar filmagens no Japão para explorar as consequências de Minamata e procurar informações para enfrentar a tragédia que se repete no Pará.

A próxima empreitada já está no forno: resgatar a memória do projeto de ensino de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira para a Universidade de Brasília, inaugurado com a geração de Bodanzky em 1964 e interrompido pelos militares no ano seguinte.

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