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Cineasta de 'The Square' prepara filme sobre mundo da moda e loteria genética

Longa de Ruben Östlund contará história de um navio cujo capitão é marxista e de um casal fabricante de granadas

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desenho de modelo desfilando em passarela com

Storyboard feito pelo cineasta sueco Ruben Östlund para seu próximo filme, 'The Triangle of Sadness' Ruben Östlund

Gotemburgo (Suécia)

“Estamos acostumados a imitar aquilo que vemos, desde bebês. Por isso a cultura é importante, e a imagem em movimento é um dos meios mais eficientes de gerar um comportamento inconsciente”, teoriza o cineasta Ruben Östlund, também professor de uma das mais tradicionais escolas de audiovisual da Suécia.

Quando a Folha pergunta que tipo de conduta ele quer incentivar então com seus filmes, o sueco atesta: “Se você sente que há um consenso na sociedade com o qual você não concorda, então você precisa provocá-lo".

Provocador é mesmo um bom adjetivo para começar a definir os filmes mais conhecidos do diretor, “Força Maior” (2014) e “The Square – A Arte da Discórdia” (2017), este vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. 

Enquanto o primeiro constrangia com a história de um pai de família que sai correndo sozinho quando uma avalanche ameaça atingir sua família, o segundo mirou no mercado das artes, com comentários ácidos sobre a produção contemporânea e a tal da elite cultural.

ostlund posa com macaco de mentira
O cineasta sueco Ruben Östlund - Divulgação

Östlund quer ampliar ainda mais o escopo de suas afrontas no próximo filme: “The Triangle of Sadness” (o triângulo da tristeza) vai colocar holofotes no mundo da moda e discutir a loteria genética, nas palavras do diretor, que faz com que alguns sejam ricos em beleza e outros não.

O título faz referência a um termo usado por cirurgiões plásticos para designar o espaço entre as sobrancelhas que forma um pequeno triângulo quando o rosto se contorce numa expressão melancólica.

“Você passa por sofrimentos durante toda a vida, mas não se preocupe, pode resolver tudo em 15 minutos com botox”, ironiza o cineasta.

O nome do filme também adianta que a produção, que começa a ser filmada neste mês e tem previsão de estreia para 2021, ser dividirá em três enredos. 

O primeiro traz um jovem modelo de sucesso cuja calvície incipiente obriga a um “rebranding” acoplado a uma nova namorada em ascensão; outro acompanha um casal de idosos extremamente amável (“quis que os dois fossem as pessoas mais suecas possíveis”) que calha de ser dono de uma empresa de granadas.

Por último, há uma trama mordaz sobre hierarquias, situada em um navio cujo capitão é um marxista que recita o “Manifesto Comunista” nos alto-falantes. Quando o barco encalha numa ilha, uma nova configuração social emerge: como a senhora da limpeza é a única ali que sabe pescar, ela passa a ser a mulher mais cobiçada (e poderosa) do lugar.

Os dois últimos filmes de Östlund angariaram reconhecimento global e garantiram acesso a estrelas do primeiro escalão para este próximo projeto —como Woody Harrelson, que vai viver o capitão comunista.

Um flerte com o cinema americano já começara a ser desenhado na escalação de Elisabeth Moss e Dominic West em “The Square”, mas a nova produção será a primeira que o sueco filmará totalmente em inglês. 

“Eu me sinto traindo a mim mesmo, porque não quero contribuir para a tediosa dominação anglo-saxã”, diz Östlund entre risadas e uma gesticulação intensa com os braços. “Mas penso [no projeto] como um cavalo de Troia, fazendo uma mensagem marxista entrar na América.”

A hegemonia cultural dos Estados Unidos, contudo, engoliu o diretor também em outra investida: acaba de estrear no Festival de Sundance uma refilmagem hollywoodiana de seu “Força Maior”.

Em “Downhill” (ladeira abaixo), os protagonistas da comédia de humor negro são vividos por Julia Louis-Dreyfus e Will Ferrell --com Kristofer Hivju, o barbudão ruivo de “Game of Thrones”, reprisando o mesmo papel cômico no qual brilhou no original sueco.

“É claro que eu quero assistir”, atesta Östlund sobre o remake, “só espero que não seja tão respeitoso assim com meu filme. Que façam sua própria coisa”.

O embate do europeu com a mentalidade americana rende anedotas reveladoras de uma Hollywood que tem incorporado cada vez mais olhares estrangeiros ao seu DNA --num momento em que, por exemplo, o coreano “Parasita” é um dos principais concorrentes ao Oscar.

Östlund conta que em 2018, quando “The Square” foi indicado a melhor filme estrangeiro pela Academia, ele e os outros quatro concorrentes foram convidados para um jantar na Sony Pictures, em Los Angeles (“antes os diretores recebiam só um ingresso para a Disneylândia e voltavam para casa, até que isso virou um problema”). 

Durante a refeição, os executivos passavam de cineasta a cineasta, perguntando sobre as pressões que sofreram ao abordar assuntos polêmicos em seus países de origem. “Pude ver como os americanos têm todo esse orgulho de serem a terra da liberdade de expressão, de dar atenção a filmes controversos.”

A certa altura, voltaram-se a Östlund, curiosos em ouvir sobre os problemas que seu filme havia criado com as autoridades escandinavas. Motivo: há uma cena, bem no começo de “The Square”, em que uma estátua representando a família real da Suécia é derrubada e decapitada, dando lugar a uma instalação artística. 

“E bem, sabe o que eu vou fazer na próxima terça-feira [4/2]? Receber uma medalha do rei.”

O jornalista viajou a convite da Embaixada da Suécia no Brasil e do Instituto Sueco

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