Série de TV evita o termo 'ditadura' ao falar de crimes cometidos por militares

Produtor de documentários exibidos no History Channel diz que uso da palavra gera polêmica hoje

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São Paulo

Uma série documental que começou a ser exibida no History Channel neste domingo (9), e que ainda tem 12 episódios semanais pela frente, poderá agradar a membros do governo Bolsonaro por causa de um aspecto. Mas desagradará por outro.

Poderá agradar porque refutou o uso do termo "ditadura militar" para se referir aos 20 anos em que o Brasil esteve sob o comando de generais, entre 1964 e 1985. E desagradar porque esmiúça justamente alguns crimes já conhecidos cometidos pelo governo no período, incluindo tortura e assassinatos.

O jornalista Vladimir Herzog
O jornalista Vladimir Herzog, cuja morte nas dependências do DOI-Codi será tema de um dos episódios de 'Investigadores da História' - Divulgação

Bolsonaro, ele próprio um militar, é um dos maiores críticos da versão defendida por historiadores de que sua classe sistematizou o uso da violência no período da ditadura.

O produtor da série, que teve uso de dinheiro público, diz agora que sua equipe está recusando o termo “ditadura”, uma vez que eles queriam ficar “no campo da ciência” e não enfrentar “polêmicas”. 

“A gente não tem nenhuma tendência, nem de esquerda nem de direita. Aquilo que a investigação consegue materializar como vestígio está na série. O que seria mais tendencioso a gente deixa de fora”, conta Tony Rangel, da Bioma Filmes, criadora do projeto. 

“A gente nem usa o termo ‘ditadura’, a gente usa ‘regime militar’. Se foi ditadura ou não, isso é polêmica hoje. A gente quis tomar bastante cuidado com isso”, prossegue ele. 

Os dois apresentadores da série, Mauro Yared (especializado em perícia de mortes violentas) e Celso Nenevê (perito em balística e explosivos), fizeram parte do núcleo pericial da Comissão Nacional da Verdade, uma das investigações mais contundentes sobre crimes cometidos por autoridades políticas. 

A CNV foi criada durante o governo petista e foi duramente criticada por Bolsonaro, ainda quando o presidente era deputado federal. A conclusão das investigações responsabilizou 377 agentes civis e militares por “graves violações aos direitos humanos”. 

Responsável por reconhecer 434 mortes —entre elas, 210 de desaparecidos—, o relatório classifica a atuação desses agentes públicos como “crimes contra a humanidade”.

“Escolhemos a CNV porque já tinha ali uma base de casos investigados”, conta Rangel. “A gente já tinha uma parte da pesquisa, ou ao menos uma ideia daquilo que a gente achava que podia funcionar na dinâmica da televisão.” 

O produtor diz que tomou as investigações da CNV como ponto de partida e procurou ir além. “Na CNV, foram muitos casos em muito pouco tempo. Então eles não conseguiram ir muito a fundo nesses casos”, conta. Os 13 episódios têm 52 minutos cada um e são exibidos aos domingos, com reprises durante a semana.

O projeto tem recurso da Ancine, Agência Nacional do Cinema, tendo vencido um edital em 2015. Ele foi, porém, finalizado durante o primeiro ano do governo Bolsonaro. Estreia já no meio de uma demarcada tentativa de revisionismo histórico empreendida pelo governo. Bolsonaro disse na internet que pretende incentivar produções que promovam a vida daqueles que ele julga serem heróis nacionais.

O presidente chegou a questionar que os militares mataram o jornalista Vladimir Herzog após interrogatório nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, em 1975. “Suicídio acontece, pessoal pratica”, disse ele à jornalista Mariana Godoy, durante entrevista na RedeTV!, em 2018. 

O assassinato de Herzog é tema de um dos episódios da série. Ele será exibido no próximo domingo, dia 16. Os dois peritos que apresentam o programa desconstroem a versão, já desmobilizada por outras investigações, de que o jornalista teria se enforcado, como aferido na ocasião de sua morte não só pelos militares como também por jornais. 

Com uso de fotografias e a reconstituição das instalações do extinto DOI-Codi, provam que Herzog passou por uma severa sessão de tortura e também foi estrangulado. 

Não seria uma grave contradição deixar de chamar de ditadura um governo que cometeu crimes políticos, fechou o Congresso, extinguiu eleições diretas e matou opositores?

Rangel acha que não. “Não acho contraditório. A gente pode chamar do que a gente quiser. Quando a gente fala ditadura, tem um lado que se arrepia porque acha que no Brasil não houve ditadura.”
 

Investigadores da História

  • Quando Domingos, às 20h40. Reprise do primeiro episódio neste dom. (16), às 19h50
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