Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro muda comissão sobre a ditadura e diz que agora governo é de direita

Mudança em colegiado criado por FHC ocorre em meio a ataques do presidente a desaparecido no regime militar

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro (PSL) trocou 4 dos 7 integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), que trabalha no reconhecimento de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985).

A mudança, assinada por Bolsonaro e pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), foi publicada na edição desta quinta-feira (1º) do Diário Oficial da União.

O presidente justificou a medida afirmando que o Brasil agora tem um governo de direita.

“O motivo [é] que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles [governos anteriores] botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também”, afirmou, ao sair do Palácio da Alvorada na manhã desta quinta.

Bolsonaro participa de cerimônia no Palácio do Planalto nesta quinta (1º) para lançar o programa Médicos pelo Brasil
Bolsonaro participa de cerimônia no Palácio do Planalto nesta quinta (1º) para lançar o programa Médicos pelo Brasil - Pedro Ladeira/Folhapress

O colegiado é formado por sete conselheiros, incluindo membros do Ministério Público e do Congresso, e foi criado em 1995, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A troca ocorre uma semana depois de a comissão emitir documento reconhecendo que a morte de Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, ocorreu “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”.

Na última segunda-feira (29), Bolsonaro disse que poderia explicar a Felipe Santa Cruz como o pai dele desapareceu durante a ditadura.

A declaração foi repudiada por entidades, opositores e até aliados do presidente, e Santa Cruz entrou com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para pedir esclarecimentos a Bolsonaro.

Fernando Santa Cruz, que havia atuado na organização de esquerda Ação Popular Marxista-Leninista, desapareceu em fevereiro de 1974, após ser preso por agentes do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura militar, no Rio de Janeiro.

A versão de Bolsonaro, segundo a qual Fernando teria sido executado por companheiros da esquerda, contraria documentos produzidos pela própria ditadura sobre o pai do presidente da OAB.

Nenhum documento escrito sobre Fernando pelo regime militar o vincula a qualquer ato violento ou da esquerda armada contra o governo.

Indagado se a mudança no colegiado está relacionada a suas declarações sobre Fernando Santa Cruz, Bolsonaro disse que “não tem nada a ver uma coisa com a outra”. Questionado se seria uma coincidência, disse que sim. “Pode ser [coincidência]. As coisas são tratadas desta maneira.”

Agora ex-presidente da comissão, a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga criticou no início da semana a fala de Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB.

“É muito grave essa declaração. Ele [Bolsonaro] está transformando um dever oficial, que é dar informações aos familiares, que ele já deveria ter cumprido, em uso político contra um crítico do seu governo”, disse Eugênia Gonzaga nesta semana.

Nesta quinta-feira, após a mudança, ela afirmou em nota que a "substituição foi uma represália pela minha postura diante dos últimos acontecimentos".

Novos membros

Entre os quatro novos membros da comissão especial estão filiados do PSL, partido de Bolsonaro, e militares.

O novo presidente é o advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho, 45, assessor especial da ministra Damares. O deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) também ingressou na comissão.

Os outros dois novos membros são militares: o coronel reformado Weslei Antônio Maretti e o oficial do Exército Vital Lima Santos, assessor do Ministério da Defesa.

Na semana passada, Barros protocolou na Procuradoria-Geral da República pedido de prisão temporária do jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, que tem publicado reportagens com base em diálogos vazados do ministro da Justiça, Sergio Moro, e de procuradores da Lava Jato.

Em 31 de março deste ano, Barros defendeu em rede social que se comemorasse o golpe militar de 1964. "31 de Março. O dia que o Brasil foi salvo da ditadura comunista. O dia da contrarrevolução. Esses são os fatos históricos. O resto é revisionismo. É um dia a ser comemorado SIM", escreveu.

Além de Eugênia Augusta Gonzaga, deixaram a comissão Rosa Maria Cardoso da Cunha, ex-integrante da Comissão da Verdade e defensora de perseguidos políticos, João Batista da Silva Fagundes, coronel da reserva e ex-deputado, e o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS).

Eugênia, Rosa e Pimenta haviam sido indicados pela então presidente Dilma Rousseff (PT). A primeira, em 2014. Os demais, em 2015.

Já João Batista foi indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2003.

Da antiga configuração, permanecem Ivan Cláudio Garcia Marx, representante do Ministério Público Federal, e duas representantes de familiares, Diva Soares Santana e Vera Silva Facciola Paiva.

Diva foi nomeada em dezembro de 2005 por Lula. Ivan e Vera são nomeações feitas por Dilma em 2015.

Comissão da Verdade também foi alvo de Bolsonaro

Nesta semana, tanto a CEMDP como a Comissão Nacional da Verdade foram alvos de Bolsonaro, em uma sequência de agressões durante entrevistas e declarações em redes sociais.

Criada em 2011 e instalada em 2012, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), a Comissão Nacional da Verdade teve por finalidade apurar graves violações contra os direitos humanos de setembro de 1946 a outubro de 1988. Ela foi concluída em dezembro de 2014.

Seus integrantes foram advogados, especialistas em direitos humanos, um ex-procurador geral da República e um ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Foram ouvidos vários militares que atuaram na repressão às organizações de esquerda durante a ditadura militar.

A CNV trabalhou com diversas bases documentais, mas o grosso dos papéis, agora questionados pelo presidente Bolsonaro, veio das próprias Forças Armadas.

Como no caso dos documentos questionados por Bolsonaro, setores da inteligência militar produziram informações que, a partir dos anos 1990, foram entregues ao Arquivo Nacional, um dos principais colaboradores dos trabalhos da CNV.

O relatório final da CNV, divulgado em 2014, concluiu que 434 pessoas foram mortas ou desapareceram vítimas de violência do Estado no período que vai de 1946 a 1988. Dentre esses, há 210 desaparecidos e 191 mortos —33 corpos foram localizados.

Colaborou Stella Borges, do UOL, em São Paulo

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