Descrição de chapéu Artes Cênicas

Barbárie e memória norteiam espetáculo sobre genocídio em Ruanda

Peça na programação da MITsp transita pelas dores e lembranças da guerra civil que vitimou 800 mil pessoas

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Guilherme Henrique
São Paulo

A única luz no palco destaca a pele negra de Dorothée Munyaneza. Embalada pelo compasso lento de um tambor, ela realiza movimentos rápidos com o quadril e os braços, levemente cobertos por um vestido. A plasticidade da cena é acompanhada pela voz grave da artista, que elenca os nomes e características físicas dos amigos mortos por soldados Tutsis em Ruanda, enquanto descreve o cenário de guerra do confronto civil ocorrido em 1994.

"Sábado Descontraído", que integra a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, é baseada no resgate que Munyaneza faz de sua vida quando saiu de Kigali, capital de Ruanda, aos 12 anos, para viver em Londres, em meio ao genocídio que deixou 800 mil mortos em cem dias de confronto.

O nome do espetáculo, inspirado em um programa musical de rádio, propõe um diálogo com aquilo que a memória pode ter de dolorosa e afetiva na mesma proporção.

"Vou a Ruanda com muita frequência para me reconectar com a terra da minha infância, com tantas lembranças. Muitas vezes é uma jornada emocionalmente carregada, difícil, mas necessária, principalmente quando estou no processo de criação", diz Munyaneza.

A peça, criada há sete anos, expõe a experiência multifacetada da artista. Ela estudou canto na França e trabalhou na trilha sonora de "Hotel Ruanda", filme de Terry George lançado em 2005 sobre o conflito entre os hutus e tutsis.

Em 2006, ela colaborou com o coreógrafo francês François Verret. Ao longo dos últimos anos, também participou de produções com o dançarino contemporâneo Rachid Ouramdane e a sul-africana Robyn Orlin, caracterizada por apresentar espetáculos que têm política e violência no centro de seus enredos.

Ao misturar todos esses gêneros, Munyaneza procura fugir da limitação que a palavra lhe impõe. "Depois das palavras, vem o corpo, que ocupa aquele espaço onde as palavras não são mais suficientes, onde as palavras não podem mais dizer o indizível. Ao mesmo tempo, o meu canto, a minha voz, precisam ressoar", diz.

Acompanhada da atriz Nadia Beugré e do músico Kamal Hamadache, a artista procura criar um diálogo entre as artes, uma ponte capaz de explicar a atmosfera de amor e sofrimento em Ruanda.

"O que eu procuro é um encontro de vozes que navegam conscientemente entre palavras, a coreografia e a música, testemunhando o que me preenche, alimentando algum engajamento sociopolítico, refletindo sobre os nossos tempos e criando novos espaços de cura."

Vivendo em Paris, Munyaneza procura estabelecer conexões políticas e culturais pelo mundo. Recentemente, passou temporadas em Londres e Nova York. “Sou como uma árvore com galhos espalhados além das fronteiras”, afirma.

Ainda assim, suas raízes e, portanto, suas criações, estão sempre conectados a Ruanda. Em seu último trabalho, a peça "Unwanted", criada há três anos para o Festival de Avignon, na França, discute as consequências do estupro em mulheres inseridas em conflitos de guerra.

“Isso aconteceu em Mianmar, no Congo e no meu país. Está ocorrendo na Síria, neste momento. Procuro recriar o testemunho dessas mulheres, contar a história dos filhos dessas mulheres. Ainda que imerso na violência, na dor, esse espetáculo serve para honrá-las de alguma maneira”, diz.

"Unwanted" foi encenada há dois anos no Rio de Janeiro, durante o Festival Cena Brasil Internacional.

Munyaneza, que também já esteve em Belo Horizonte, chega ao país com a intenção de, mais uma vez, usar a arte para prolongar seus laços. Aliás, os ingressos no site do Sesc já estão esgotados.

“Espero que a peça ajude o brasileiro a reconhecer aqueles cem dias de genocídio não como algo que aconteceu em uma terra estrangeira, mas como um capítulo da história da humanidade que afeta todos nós. São oprimidos, marginalizados, que, assim como no Brasil, são vítimas da violência, da desigualdade e do extermínio”, complementa a artista.

Sábado Descontraído

  • Quando 06/03 às 21h; 07/03 às 21h; 08/03 às 18h
  • Onde Sesc Avenida Paulista - Av. Paulista, 119 - São Paulo
  • Ingressos Esgotados
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