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Diretor francês vai na contramão de Hollywood e busca raízes dos zumbis

'Zombi Child' mescla ficção e história real da cultura vodu haitiana para falar sobre a liberdade

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São Paulo

O título “Zombi Child” pode passar a impressão errada. A apropriação do termo pelo gênero de terror acabou despindo os zumbis de suas raízes, bem distantes dos monstrengos comedores de tripas vistos em “The Walking Dead”, por exemplo.

Originalmente, a zumbificação integrava rituais religiosos, na maioria dos casos associados à cultura vodu haitiana. Foi neles que o cineasta francês Bertrand Bonello buscou inspiração para seu filme.

Depois de ser exibido no Festival de Cannes do ano passado, “Zombi Child” estava destinado a estrear em salas de cinema no mundo todo. No Brasil, a expectativa era que isso acontecesse em março. Mas aí veio o coronavírus. O longa agora é lançado diretamente nas plataformas de streaming.

“Zombi Child” é baseado na história de Clairvius Narcisse, um homem que, nos anos 1960, foi transformado em zumbi por meio de um ritual com substâncias psicoativas.

Depois do ato, ele ficou vários dias num estado semelhante ao de morte. Quando acordou, foi forçado a manter uma dieta de drogas alucinógenas que causavam perda de memória e o tornaram subserviente. Ele foi então levado para trabalhar numa plantação de cana, até que 18 anos depois voltou para sua família.

Mas essa é só uma parte de “Zombi Child”. Bonello entrelaçou a história verídica à França contemporânea, onde mora a fictícia neta de Narcisse, Mélissa, cujos pais morreram em um terremoto no Haiti. Quando a garota vai para um internato, se junta a um grupo de amigas que também têm seus próprios ritos.

“Algumas conexões entre a França atual e aquele Haiti foram surgindo aos poucos”, conta Bonello. “Um exemplo é o fato de tanto no Haiti quanto nesse internato haver rituais, canções próprias. Existem contrastes, mas também semelhanças.” É em uma das cerimônias promovidas pela espécie de irmandade à qual Mélissa se une que uma outra estudante daquele colégio, apaixonada mas não correspondida, se interessa pela cultura vodu.

Já para Bonello o interesse surgiu há cerca de 20 anos, quando um amigo cineasta rodou um filme no Haiti. Sua mulher à época trabalhava nele e foi por isso que o diretor decidiu pesquisar a história do país.

“Quando você lê sobre o Haiti, você rapidamente chega ao vodu. E quando você lê sobre o vodu, você chega aos zumbis. E a história do Clairvius é bem famosa”, diz. “Algum tempo depois eu estava em busca de ideias para um novo filme, que fosse diferente, e achei que a história dele era forte o suficiente para virar um filme.”

Mas, depois de roteirizar a história de Clairvius, Bonello percebeu que faltava algo à trama, um tom original. “Eu tinha que achar um ponto de vista apropriado, e ele tinha que vir da França, de onde eu sou. E então eu criei a Mélissa e adorei a ideia de ver essa história pela perspectiva adolescente.”

Nos paralelos criados entre a ancestralidade haitiana e a juventude francesa, Bonello vê um ponto em comum —o desejo de ser livre. E isso contaminou também seu roteiro.

“Eu queria estar livre pra fazer esse longa. Então ele começa como um filme adolescente, de gênero, passa por uma parte mais documental e no fim assume sua vocação de horror ficcional. É um filme híbrido, feito de coisas muito diferentes.”

Nesse caldeirão de diversidade, o medo era acabar não contando a história de seus personagens da maneira correta. Por isso, Bonello se cercou de gente que tinha ascendência haitiana e conversou com intelectuais, políticos e líderes vodus, aos quais explicou que não queria retratar os zumbis da maneira hollywoodiana, num tom diabólico. “E eu ouvia o que eles tinham a dizer, porque eles conhecem aquilo melhor do que eu”, afirma.

“Eu conheci uma produtora fantástica. Era quase impossível filmar no Haiti e ela fez isso acontecer. Nossa primeira viagem foi só para sermos aceitos, afinal, eu não podia simplesmente chegar lá e dizer que ia fazer um filme sobre zumbis, sobre a cultura daquele povo. No fim, as pessoas não só nos aceitaram, como nos ajudaram a fazer ‘Zombi Child’.”

Zombi Child

  • Onde Disponível em iTunes, Google Play, YouTube, Vivo Play e Now
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Wislanda Louimat, Louise Labeque e Mackenson Bijou
  • Produção França, 2019
  • Direção Bertrand Bonello
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