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Fama de terrível que José Saramago teve em vida não passa de inveja

Há uma década o escritor, com certeza contrariado, pode ter se encontrado com Deus

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Amo a escrita do José Saramago. Ele escreve tão bem que ensinei os meus filhos a gostar de música e a entender a dança lendo-lhes os seus livros em voz alta. Hoje faz dez anos que ele morreu.

O "Memorial de Convento" é talvez o melhor livro de sempre escrito em língua portuguesa, e a "Viagem do Elefante" é o único que conheço onde a letras que preenchem o papel são efetivamente som e movimento. Pura magia!

Eu nunca conheci o Saramago em vida, nunca o vi nem fui a nenhum sítio onde ele estivesse porque tive medo que me acontecesse a mesma coisa de que muita gente se queixa quando, finalmente, encontra cara a cara a sua estrela favorita.

Uma vez conheci o Caetano Veloso numa entrevista que lhe fiz, em Portugal, na cidade de Coimbra para Rádio Universidade, no final da década de 1980; ele foi tão mal disposto (e distante) comigo que estive dez anos sem lhe ouvir uma música. Fiquei sozinho no silêncio da noite, sem "Beleza Pura", sem "Sampa", sem "Leãozinho". Fina estampa de perder.

Falo agora de minha mãe quando um dia conheceu a grande fadista Amália Rodrigues. Ela teve uma decepção tão grande que lá em casa ficamos totalmente proibidos de falar do povo que lavava no rio ou frequentar a Casa da Mariquinhas. Nunca mais em toda a vida houve uma casa portuguesa com certeza nem fado na Mouraria.

Essa desilusão a todos nós aconteceu, mais ou menos vezes, sempre que o acaso, ou um ingresso mais caro, nos pôs face a face com aqueles personagens que consideramos maiores que a vida.

Foi por isso que, desde então, eu nunca mais quis conhecer os meus heróis. Em todas as ocasiões que a vida me deu (e dá) fujo disso. Acreditem, é demasiado perigoso.

Ainda por cima, o José Saramago era um cara com uma fama terrível. Todo mundo fala que tinha mau feitio, praticava uma angustiante descrença em Deus, exibia uma vaidade insuportável e —dizem alguns— se entregava a relações políticas duvidosas.

Por isso, como nunca o vi, tenho a certeza absoluta que tudo o que falam era inveja.

Se cumprem nesta quinta-feira, 18 de junho de 2020, dez anos sobre o dia em que ele, com certeza contrariado, possa ter se encontrado com Deus.

Mas, sobre isso, também nada quero saber.

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso Brasileira, presidente da Información Capital, especialista em media intelligence e autor de  "As Grandes Agências Secretas" e "Os Discursos que Mudaram o Mundo"

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