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Lançamento de novo livro da saga 'Jogos Vorazes' desafia Covid-19 para discutir tirania

'A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes' é um dos maiores acontecimentos do mercado literário durante a pandemia

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São Paulo

Doze anos se passaram desde a publicação do livro que deu fama à americana Suzanne Collins. É tempo suficiente para uma criança nascer e alcançar a idade necessária para debutar nos Jogos Vorazes, evento central da obra homônima.

Nela, o leitor é apresentado a um futuro distópico, em que os Estados Unidos, agora conhecidos como Panem, foram divididos em 12 distritos. Todos os anos, dois representantes de cada uma dessas regiões são enviados a uma arena televisionada, na qual precisam batalhar até que apenas um continue de pé. Para participar desse jogo macabro, é preciso ter entre 12 e 18 anos.

A ideia de pôr crianças para lutarem até a morte numa espécie de reality show não causou repulsa e horror só nos leitores da obra de Collins, mas também em seus personagens. Eles passaram os próximos dois livros, “Em Chamas” e “A Esperança”, lançados em 2009 e 2010, tentando derrubar o sistema político que permitia tamanha brutalidade.

Será que, anos depois, Panem finalmente se tornou uma nação mais humana e igualitária? Essa é uma resposta que Collins não quis dar a seus fãs. Nesta semana, a autora lançou no Brasil um quarto livro de sua saga literária, mas ele não avança na história —em vez disso, regride mais de seis décadas para mostrar a origem de seu mais detestável personagem, o tirano Presidente Snow.

“A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” acompanha os preparativos para a décima edição dos Jogos Vorazes, muito antes da protagonista Katniss Everdeen participar do 74° massacre. Nas novas páginas, um jovem Snow está a cargo da caixinha de surpresas que será a arena daquela edição, como um Boninho psicopata em um “Big Brother” infantojuvenil.

Lançado nos Estados Unidos no mês passado, pela Scholastic Press, o livro chega ao Brasil pela Rocco, também responsável por outro estrondoso sucesso adolescente no país, “Harry Potter”.

Assim como o colega de editora, “Jogos Vorazes” é o tipo de franquia que inspira centenas de eventos apaixonados mundo afora, com fãs se reunindo para discutir, cosplayers, encontros com gente envolvida na obra e, claro, as tradicionais midnight parties —a espera nas portas das livrarias para a meia-noite do dia de lançamento.

Mas o coronavírus acertou uma flecha no coração dos fãs da franquia, que não puderam, desta vez, celebrar o novo livro com a mesma pompa do passado. Foi assim nos Estados Unidos e tem sido assim no Brasil.

Em vez de entrar em livrarias e se deparar com mesas repletas de enfeites e cópias de “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, os leitores agora tiveram de se contentar com o frio e solitário botão de “comprar” do ecommerce.

Capa do livro "A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes", que integra a saga "Jogos Vorazes"
Capa do livro "A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes", que integra a saga "Jogos Vorazes" - Divulgação

Segundo conta o editor do novo título, David Levithan, decidir se manteriam a data de lançamento original foi uma tarefa árdua. “Quando nós precisamos decidir se manteríamos a data, no começo de abril, o cenário estava mudando diariamente aqui nos Estados Unidos. Era como se estivessem nos pedindo para prever o futuro”, afirma.

“Nós sabíamos que muitos títulos grandes estavam movendo seus lançamentos para o outono americano [primavera no Brasil], mas nós sentíamos que as pessoas precisavam ter livros novos e emocionantes para ajudar a encarar o isolamento.”

Ao ver que livros menores estavam conseguindo ter lançamentos bem-sucedidos durante a pandemia e ao levar em consideração a ansiedade dos fãs, Levithan decidiu não mudar a agenda. Mas “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” não é um título comum, comparável a outros trabalhos recém-lançados. É, provavelmente, o maior acontecimento do mercado editorial, em termos de apelo comercial, desde a eclosão da pandemia.

A decisão de Levithan rendeu frutos. Nos Estados Unidos, 500 mil cópias do livro foram vendidas em sua primeira semana, mesmo com boa parte das livrarias do país fechadas.

O número corresponde a volumes físicos, ebooks e audiolivros, e é maior que o de “A Esperança”, que em sua semana de estreia vendeu 450 mil exemplares. Ao todo, a franquia já vendeu mais de 100 milhões de cópias pelo mundo.

“Muitas conversas literárias estão acontecendo online hoje em dia —seja por chat, pelas redes sociais ou por grupos de leitura virtuais, em que as pessoas se conectam via Zoom. Aqui nos Estados Unidos, as livrarias têm mudado os eventos de físicos para virtuais com eficiência”, diz Levithan. “O efeito colateral disso é que agora esses eventos são muito mais democráticos, geograficamente falando. Os autores não podem viajar para todas as cidades, mas os leitores de todas as cidades podem comparecer a um evento virtual.”

“E você pode até pensar que, durante uma pandemia, as vendas do ebook de ‘A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes’ teriam excedido as de cópias físicas, mas não foi o que aconteceu. A maioria das pessoas quer o livro físico e muitas livrarias, das redes até as independentes, estão desenvolvendo sistemas para que os livros cheguem às pessoas presas em casa.”

A sensação de clausura gerada pela pandemia de coronavírus é semelhante àquela vivida pelos personagens de “Jogos Vorazes”. A diferença é que, no mundo real, ficamos em casa para escapar da ameaça do coronavírus, enquanto na franquia os competidores dos jogos estão presos numa arena junto com o inimigo.

Outro ponto que aproxima ficção e realidade, para Levithan, é a essência da trama de “Jogos Vorazes”, que lida com um grupo de pessoas tentando impedir um governo autoritário de cometer barbaridades. Para ele, essa é uma temática sempre relevante, digna de discussão.

“No caso de ‘A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes’, a Suzanne queria falar sobre como a natureza humana e nossas escolhas pessoais cruzam com sistemas de poder. Ela decidiu que a ascensão do Presidente Snow serviria como uma ótima lente para examinar como a democracia e a autocracia disputam nossa lealdade, e como sociedades são formadas pelas escolhas pessoais de quem as lidera.”

Levithan traça um paralelo entre os horrores das páginas de Collins e o estado no qual se encontram as sociedades brasileira e americana. Mas ressalta que a “tensão entre liberdade e autoritarismo” é um tema que se aplica à realidade de hoje, à de ontem e à de amanhã. “É um conflito que nunca vai cessar”, diz.

Outra coisa que parece não ter data para acabar é o faro de Hollywood para potenciais sucessos de bilheteria. Depois de adaptar a trilogia original de “Jogos Vorazes” em uma franquia cinematográfica bilionária, a Lionsgate já trabalha em um filme sobre “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”.

“O estúdio, os produtores, o diretor [Francis Lawrence], os roteiristas e a Suzanne já estão trabalhando duro nesse projeto. Assim que trouxemos de volta o time do lado literário, eles reuniram também o time do lado cinematográfico.”

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

  • Preço R$ 59,90 (576 págs.)
  • Autoria Suzanne Collins. Trad.: Regiane Winarski
  • Editora Rocco
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