'História de um Casamento' contrasta a luta por liberdade e a dependência do amor

Longa de Noah Baumbach foi debatido no Ciclo de Cinema e Psicanálise nesta terça (23)

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São Paulo

O divórcio é uma espécie de funeral sem morto, define com precisão um personagem de “História de um Casamento”. O filme de Noah Baumbach se debruça sobre as agruras de um casamento moderno e o luto que se segue quando ele chega ao fim.

O roteiro é didático e familiar. A ruptura do casal Charlie, papel de Adam Driver, e Nicole Barber, vivida por Scarlett Johansson, faz aflorar desgaste e incompreensão, discussões insultantes, abordagens passivo-agressivas e manipulações jurídicas que transformam o divórcio num processo lento e doloroso. É a hora da busca de um culpado.

Fazer isso, porém, é perder a complexidade do processo, afirma a psicanalista Giselle Groeninga, que discutiu a obra com o colunista João Pereira Coutinho nesta terça (23), no Ciclo de Cinema e Psicanálise, uma realização da Sociedade Brasileira de Psicanálise em parceria com a Folha e o Museu da Imagem e do Som de São Paulo. A mediação foi feita pela psicanalista Luciana Saddi.

Para Groeninga, que é integrante da diretoria nacional do Instituto Brasileiro de Direito da Família, o IBDFam, judicializar o processo de separação é um erro. Quando um casal delega suas questões pessoais ao Judiciário, deixa de elaborar o conflito e terceiriza a busca da solução, diz.

A psicanalista não nega a função indispensável do Judiciário, mas critica o que chama de transferência do protagonismo das partes interessadas. “Infantilizados, ambos buscam advogados para que façam o que eles não conseguiram e perdem a oportunidade de enxergar os próprios conflitos.”

Coutinho, por sua vez, chamou a atenção para os paradoxos do amor. Em sua opinião, o filme é cirúrgico ao mostrar que o amor vive dessa tensão contraditória entre a busca da liberdade individual e a sensação de pertencimento a alguém.

“Todos entendemos que o amor é uma dádiva, mas, ao mesmo tempo, sentimos que pode ser uma ameaça. Desejamos ter uma simbiose com o outro, mas queremos manter nossa autonomia.”

Para o colunista, o amor moderno suporta sobre seus ombros um fardo muito pesado. "Nós esperamos que o outro seja capaz de preencher as expectativas e exigências que colocamos sobre o amor." Como isso é impossível, cada um se ressente da vida que deixou de viver. "Mas essas vidas não vividas também fazem parte da nossa personalidade, o sacrifício é também expressão de um amor que existiu."

Sob o prisma de Coutinho, a relação de Charlie e Nicole foi concluída com harmonia, mesmo após o embate jurídico, financeiro e psíquico. O casal atinge um estágio de maturidade e marido e mulher começam a atentar para as queixas um do outro. “Nesse momento final parece que, pela primeira vez, eles aprenderam com os erros, e isso me parece que só é possível quando houve uma fase de luto e aprendizagem.”

Giselle Groeninga discorda. Segundo ela, não só a interferência judiciária, mas também a falta de equilíbrio na projeção das realizações pessoais em cima do companheiro, resultaram num final melancólico, já que ambos não elaboraram o luto necessário e permanecem ligados pelas responsabilidades parentais.

"O divórcio era inevitável?", perguntou um participante do chat. "Há um forte desejo da maioria de que as separações não aconteçam", respondeu Groeninga. “A gente busca sempre o final feliz, mas, às vezes, a separação é o que é possível. Psiquicamente, os vínculos permanecem, apesar de se dissolverem para o direito.”

Coutinho lembrou que Baumbach se baseou na própria separação para escrever o roteiro, o que tornaria impossível que o filme tivesse outro desfecho. "A não ser usando o cinema para sublimar a realidade, ou seja, usando-o para dar um final feliz quando ele, na sua própria vida, não o teve”, disse.

O colunista diz que no filme “A Lula e a Baleia”, de 2005, Baumbach contava uma história baseada no divórcio dos seus pais, e partia da perspectiva da criança, mais afeita a culpas e julgamentos. O entendimento do diretor é outro neste filme.

“Agora que não está falando de seus pais, mas de si próprio e do divórcio pelo qual passou, ele tem uma visão serena, que não está interessada em repartir culpas. Está simplesmente interessado em perceber as pessoas em sua imperfeição. Deixar de ser criança e tornarmo-nos adultos é também sermos capazes de nos perdoar. Foi isso que eu vi nesse filme: compaixão e perdão.”

O debate pode ser conferido na íntegra no canal do MIS no Youtube. O próximo filme que será debatido pelo Ciclo de Cinema e Psicanálise será “Assunto de Família”, do diretor japonês Hirokazu Koreeda, no dia 14 de julho, às 20h.

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