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'Little Fires Everywhere' troca personagem branca por negra e entra no debate racial

Mudança de cor da protagonista de série da Amazon foi incorporada à trama pela produtora de Reese Witherspoon

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São Paulo

Em Shaker Heights, subúrbio no centro-oeste americano onde se passa a série “Little Fires Everywhere”, tudo é planejado nos mínimos detalhes. Os prédios de apartamentos, de dois andares, são disfarçados de modo a parecer casinhas loteadas. Os gramados não podem ter mais do 15 centímetros de altura, e são aparados a cada duas semanas. Até kit de boas vindas a cidade tem.

“Muitos leitores já me perguntaram se esse lugar é real, e é. Eu cresci lá”, conta Celeste Ng, autora do livro que deu origem ao seriado da Amazon Prime. “É o tipo de coisa que, se eu tivesse inventado, ninguém acreditaria.”

A descrição talvez se aplique também à personagem de Elena Richardson, vivida por Reese Witherspoon. Como Shaker Heights, ela também faz questão que tudo esteja no seu devido lugar, do cabelo da filha mais nova, a rebelde Izzy, ao sexo, restrito às quartas e sábados.

É com essa perfeição toda que a artista visual Mia Warren e a filha adolescente, Pearl, se deparam quando chegam a Shaker Heights e se mudam para um apartamento dos Richardson. Mia, arisca, deixa Elena obcecada com suas fotografias enigmáticas e seu passado misterioso. Pearl, acostumada ao estilo de vida nômade da mãe, se encanta com a aparente harmonia dos Richardson, uma típica família de classe média americana.

À medida que os meses avançam, os laços que envolvem as duas famílias se emaranham cada vez mais, com Mia e Pearl passando a frequentar a casa dos Richardson.

Até que Mia e Elena se veem em lados opostos de uma batalha judicial que envolve a adoção de um bebê —enquanto Mia tenta ajudar a mãe do neném, uma imigrante chinesa, Elena toma o partido da mãe adotiva, que é sua melhor amiga.

No centro da narrativa, afirma Ng, estão os temas da maternidade e das relações de classe. Ou melhor: de classe, e de raça, que sempre andam juntos nos Estados Unidos, diz a escritora, filha de imigrantes de Hong Kong.

“Estava pensando sobre como às vezes damos o benefício da dúvida a alguns indivíduos só porque eles agem de um certo jeito, ou têm uma certa quantidade de dinheiro, ou vivem num certo local. E como outras pessoas imediatamente geram desconfiança, como se não estivéssemos dispostos a ceder nem um pouquinho a elas.”

A questão da cor, aliás, ganhou uma nova camada na adaptação para a TV, com a escolha da atriz Kerry Washington, que é negra, para o papel de Mia. No livro, ela e Pearl são brancas.

Ng afirma que, originalmente, chegou a pensar em tornar as personagens negras, ou latinas. Mas chegou à conclusão de que não era capaz de recriar essa experiência na ficção.

Além disso, continua a autora, como havia a trama da adoção, não fazia sentido retratá-las como uma família asiática, algo que ela poderia fazer partindo da própria experiência. “Parecia uma equação certinha demais, como se fosse claro que uma asiática se aliaria a outra asiática”, justifica.

A mudança de cor da protagonista foi uma de algumas incorporadas à trama pela Hello Sunshine, produtora fundada por Reese Witherspoon que vem chamando atenção ao adaptar livros escritos por mulheres, sobre mulheres, para o audiovisual —são da empresa, por exemplo, os sucessos “Big Little Lies”, da HBO, e o filme “Garota Exemplar”.

Ng conta que, apesar de ter participado intensamente da adaptação, ela serviu mais como um espécie de diapasão para os roteiristas e produtores, ajudando a afinar as diferentes ideias que eram jogadas na mesa.

Em isolamento em casa, com o marido e o filho de nove anos, a escritora considera que o momento em que a série estreou, no meio do período de isolamento social imposto pelo novo coronavírus, foi certeiro.

“Ao menos nos Estados Unidos, a pandemia tem feito com que reconheçamos alguns dos nossos pontos cegos. E temos uma longa história de pessoas que acham que estão fazendo o bem, mas prejudicam outras pessoas. Então eu gostaria que os espectadores saíssem da história pensando: será que eu sou como a Elena, ou como a Mia?

Ng antecipa que as personagens não devem estrelar uma nova temporada, porém. “Nesse momento, tudo o que sei sobre esses personagens está nas páginas do livro”, ela diz. Por ora, ela conta estar trabalhando numa outra adaptação, desta vez do seu primeiro livro, “Tudo o que Nunca te Contei”. Além de ter começado a escrever uma nova obra, bem diferente das duas anteriores.

“Estava trabalhando num romance bem realista, e que de repente se tornou um pouco distópico. Agora tenho uma pilha de livros sobre ditadura, as origens do totalitarismo e a resistência francesa contra os alemães na minha mesa”, diz. “Não faço ideia do porquê”, completa, irônica.

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