Drauzio Varella completa duas décadas como colunista da Folha

De aborto a tabagismo, médico nunca se furtou a tocar em temas espinhosos

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São Paulo

"Fui dependente de nicotina durante 20 anos. Comecei ainda adolescente porque não sabia o que fazer com as mãos quando chegava às festas. Era início dos anos 1960, e o cigarro estava em toda a parte."

Foi com uma experiência pessoal e uma defesa contundente da proibição da publicidade de cigarro nas TVs que o médico oncologista Drauzio Varella, 77, estreou sua coluna quinzenal na Ilustrada, na Folha, há 20 anos.

Desde então, seus textos têm inspirado políticas públicas de saúde, mudanças de comportamento, além de já terem rendido três livros: "Borboletas da Alma" (2006), "A Teoria das Janelas Quebradas" (2010) e "Palavra de Médico" (2016).

O tema do texto de estreia, em 20 de maio de 2000, marcava uma das suas cruzadas na saúde pública: o combate ao tabagismo. À época, tramitava no Congresso projeto de lei proibindo a publicidade de cigarro.

O então ministro da Saúde, José Serra, chegou a distribuir cópias do artigo de Drauzio como uma das estratégias para pressionar os deputados pela aprovação, o que deu certo. Em dezembro do mesmo ano, Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei.

O médico colunista conta que decidiu desde o início que não escreveria muito sobre tecnologias na medicina. "Abordaria problemas práticos, como falta de atividade física e obesidade. Também passei a defender o SUS de forma mais contundente."

De aborto à proibição do uso de preservativo pela Igreja Católica, da Aids ao negacionismo do governo Bolsonaro sobre a pandemia de Covid-19, Drauzio nunca se furtou a tocar em temas espinhosos.

Mas, segundo o médico, as colunas que mais repercutem são aquelas que tocam as pessoas na rotina diária. "Ai que preguiça", publicada em janeiro de 2014, em que tratou da dificuldade da prática de exercícios físicos, é um exemplo.

"Nenhum animal gasta energia à toa, gasta atrás de comida, de sexo e para fugir de predador. As pessoas que dizem que levantam da cama já dispostas a fazer atividade física mentem", afirma.

Ele lembra que a repercussão do artigo foi ótima, com muitos compartilhamentos. Foram tantos que decidiu gravar um vídeo de três minutos para o seu canal no YouTube --que já teve mais de 1,5 milhão de visualizações.

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O médico oncologista e colunista da Folha Drauzio Varella - Bruno Santos/Folhapress

"A minha maior presença na internet também foi impulsionada pela coluna na Folha. Fui entendendo como maximizar o alcance, atingir diferentes públicos."

O médico afirma que escrever a coluna também o obriga a pesquisar muito sobre determinados temas. Afinal, entre os seus leitores estão muitos colegas de profissão.

"Fico chateado quando eu escrevo algo que alguém que conhece o tema mais do que eu diz 'acho que você devia ter dito tal coisa', e eu percebo que poderia mesmo. E fico muito feliz quando recebo um elogio qualificado de alguém que trabalha na área."

Drauzio conta que no passado já sofreu muito patrulhamento dos médicos.

"Nunca na minha presença, mas criticavam o fato de eu falar sobre assuntos variados. 'Pô, esse cara acha que entende de tudo?' Bobagem isso. O objetivo da coluna não é demonstrar conhecimento. É discutir temas de saúde. Há um mau entendimento do papel da imprensa."

Em um artigo que causou bastante polêmica entre os cardiologistas, o médico criticou o uso indiscriminado das estatinas para reduzir o colesterol ("A agonia do colesterol", 30 de novembro de 2013).

Começava assim: "Nunca me convenci de que essa obsessão para abaixar o colesterol às custas de remédio aumentasse a longevidade de pessoas saudáveis".

Segundo ele, esses medicamentos são amplamente receitados, sem muita contestação ou apreço pelo que estava publicado na melhor literatura científica.

"Aí vem um cara de fora da cardiologia e faz essa reflexão, baseado em dados, nas contradições publicadas na melhor literatura médica. Não teve opinião pessoal minha. Mas as pessoas dizem: 'Esse cara pensa que é cardiologista?'. Não penso. Eu estudo e tiro as minhas conclusões. Outros terão outras. Que escrevam, que publiquem."

Para o médico, a coluna tem sido um grande aprendizado, especialmente sobre como lidar com a limitação de espaço e com a obrigatoriedade da entrega do texto em uma data certa.

"Não tem essa história de 'não estou inspirado hoje'. Tem que preencher aquele espaço de 4.400 toques e ponto. E a história tem que ter começo, meio e fim."

Esse exercício o ajuda a melhorar, inclusive, como escritor, diz o autor de 15 livros, entre eles o best-seller "Estação Carandiru" (1999).

"A coluna ensina a ser conciso, a não desperdiçar palavras, a não tergiversar, a não se perder. E também a ser persistente. São 20 anos sendo obrigado a fazer nesse formato. É muito legal, gosto muito. Acho que evoluí."

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