Em 'Assunto de Família', debate sobre laços entre parentes é mais radical

Filme de Hirokazu Kore-eda foi debatido no Ciclo de Cinema e Psicanálise nesta terça-feira (14)

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São Paulo

Em entrevista para a Folha, o cineasta japonês Hirokazu Kore-eda afirmou que família é tanto um fardo, quanto a última redenção possível. Para o jornalista Walter Porto, da Folha, em “Assunto de Família”, o diretor trabalha bem essa dualidade porque o grupo familiar é o motivo e a derrocada de todos os personagens.

O longa foi debatido no Ciclo de Cinema e Psicanálise, promovido pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo nesta terça-feira (14). Além do repórter da Ilustrada, participaram a psicóloga Ana Maria Brias Silveira e a psicanalista Luciana Saddi, que fez a mediação.

“Assunto de Família” acompanha a rotina de um grupo familiar pobre e marginalizado que convive sob o mesmo teto e constrói relações afetuosas, mesmo não tendo consanguinidade. Eles realizam furtos para garantir a sobrevivência e transmitem as formas de roubo como um valor para os integrantes mais novos, que realizam os delitos como uma brincadeira.

Segundo Brias Silveira, apesar de haver sinais de harmonia e afeto no funcionamento da família, as relações são estruturadas de maneira frágil. “Os Shibata fizeram uma construção criativa de família, mas que não se sustenta porque desconsidera a realidade na medida em que tenta se evadir do contato com a angústia de viver e com a responsabilidade de arcar com ela.”

“Nessa família qualquer sombra que ameace a construção que eles fizeram é logo contornada.” O que se manifesta na dinâmica da família, para a psicóloga, é um regime de desmentida, mecanismo psíquico de defesa em que os sujeitos conhecem os fatos, mas criam uma relação distorcida com a realidade.

Na visão de Luciana Saddi, a conduta dessa família pode ser observada no livro “O Mal-estar na Civilização”, em que Sigmund Freud fala da importância dos laços amorosos e familiares para a civilização e da tendência de famílias se fecharem em si mesmas e criarem regras e moralidade própria. “Por mais que a família seja esse esteio civilizatório, ao mesmo tempo, mostra um conflito com a sociedade.”

O público também questionou sobre a forma como o roubo das crianças, supostamente abandonadas e maltratadas no filme, pode ser justificado como um ato de amor.

“Eles fizeram interferências arbitrárias na vida dessas crianças. É um amor motivado por desejos egoístas”, disse Ana Maria. Para ela, foi uma forma de realizarem anseios frustrados de paternidade e maternidade.

Porto argumentou que, ao contrário de “Pais e Filhos”, outro filme de Kore-eda, em que ocorre uma troca acidental de bebês na maternidade e a descoberta resulta em um conflito parental sobre consanguinidade, em “Assunto de Família”, o debate sobre laços familiares é mais radical e se baseia em um crime repetido.

Além disso, ele lembrou a cena em que Osamu Shibata (Lily Franky) é interrogado por um policial sobre por que ensinou o filho a roubar e ele responde que era a única coisa que sabia fazer. “Ele não só coloca a comida na mesa roubando, mas também coloca as pessoas na mesa a partir do roubo.”

O repórter ainda enfatizou que, em seus filmes, o diretor não busca julgar nenhum dos personagens. Ele não endossa suas ações, mas também não as mostra com uma lente moralizante. “A prisão no final do filme é menos que uma punição, mas é um caminho inevitável para o modo como viviam. Funciona como algo que desperta sentimentos adormecidos pela liberdade absoluta que tinham.”

Os debatedores concordaram que é só quando tudo desmorona que os vínculos são fortalecidos e amadurecem. “Eles se veem na contingência de ter que se confrontar com a dor da verdade de muita coisa que estava subjacente. O Shota tinha uma hostilidade contra Shibata que estava oculta. Ao assumi-la, é a primeira vez que consegue utilizar a palavra pai para falar sobre Osamu”, disse Brias Silveira, que vê a prisão como um momento de redenção, em que as dores interiores são enfrentadas.

O debate pode ser conferido na íntegra no canal do MIS no Youtube. O próximo filme que será debatido pelo Ciclo de Cinema e Psicanálise será “Coringa”, no dia 28 de julho, às 20h.

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