Com caretas de nojo e horror, um júri engomadinho e demasiadamente branco analisa um tênis que vai passando de mão em mão num tribunal. “Isso é muito mais do que um sapato”, anuncia o promotor de Justiça à frente do grupo, que evita tocar muito no calçado, que contém gotas de sangue humano na sola, um texto bíblico e uma estrela invertida de cinco pontas na parte superior.
“Sua mãe sabe que você é gay?”, pergunta o promotor ao réu, que confirma, sem entender a relação entre os assuntos. O juiz, então, condena Lil Nas X a cinco anos de prisão, na cadeia de Montero.
A sentença fictícia foi decretada num teaser satírico do rapper Lil Nas X para divulgar seu videoclipe “Industry Baby”, lançado nesta quinta. Se o teaser já é repleto de críticas à homofobia, ao conservadorismo e a grandes milionários, o novo clipe do músico é um compilado de referências a batalhas judiciais que ele vem enfrentando e a ataques homofóbicos que sofreu ao longo da vida.
Nos primeiros segundos de “Industry Baby”, que se passa três meses após a sentença, o rapper aparece preso numa cela, limpando seus dois troféus Grammy, pendurando seu disco de platina na parede, contando notas de dólares e dançando com outro presidiário.
“Esta é para os campeões”, canta Nas X enquanto desfila pelos corredores da prisão, ao lado de outros condenados —todos vestindo um belíssimo uniforme rosa-choque. “Engraçado como vocês disseram que era o fim e, então, eu fui e fiz de novo.”
Em seguida, um provocativo chuveirão revela que é hora do banho. Os presidiários —de pele negra, assim como a dele e como a da maior parte da população que compõe o sistema carcerário americano— aparecem peladões, dançando uma coreografia sensual e sem pudores, entre rígidas colunas rosa-chiclete do banheiro.
Antes de lançar o clipe, Nas X já havia indicado que essa estreia teria boas doses de erotismo. “Já dizendo com antecedência para que vocês não me culpem, o clipe não é para suas crianças”, alertou ele, no Twitter. E, como prometido, as cenas não são nada infantis.
Depois de se exercitar com bombadões num banho de sol do presídio, Nas X começa, então, a planejar sua fuga, afinal deseja ser gay sem algemas ou grades. É neste momento então que aparece o rapper Jack Harlow, seu cúmplice, que entrega a ele um livro às escondidas.
Dentro do volume, Nas X encontra um martelo e arranca o pôster pregado na parede de sua cela —com uma foto sua no BET Awards deste ano, onde beijou um dançarino na apresentação—, revelando um grande buraco secreto que pode levar à sua liberdade.
Sem pensar duas vezes, o artista penetra a misteriosa cavidade e engatinha pela passagem secreta. Quando finalmente consegue escapar, encontra um policial branco com pompa de machão visivelmente excitado assistindo a um de seus videoclipes, “Montero”, no qual Nas X aparece rebolando para o diabo.
Então, sob o glamour do uniforme rosa-choque e de um sapato com as cores da bandeira LGBTQIA+, o músico dá um soco no policial. “De qualquer forma, vocês nunca estiveram torcendo por mim. Quando eu voltar ao topo, quero ouvir vocês dizendo 'ele não escapa de nada, cara'”, canta ele enquanto isso.
Socar aqueles que recentemente o condenaram —e como sugere “Industry Baby”, também se excitaram secretamente diante das imagens do erotismo gay e satânico de “Montero”— é uma clara referência às batalhas judiciais e ataques homofóbicos que o rapper vem enfrentando.
Depois de lançar uma coleção limitada de sapatos com referências satânicas —uma ação promocional do videoclipe “Montero”, a mesma a que o teaser de "Industry Baby" faz alusão—, Nas X virou alvo de uma onda de críticas e até mesmo um processo da Nike, fabricante do modelo customizado pela empresa MSCHF.
Mesmo que a Nike tenha travado um boicote à venda dos calçados, o item foi um sucesso e esgotou em pouco tempo.
Ainda em “Industry Baby”, Jack Harlow reaparece intensificando a batida trap da canção, que, assim como outras de Nas X, faz uma ótima mescla de gêneros musicais, como pop e rap.
Harlow acrescenta ainda mais doses de erotismo no clipe quando aparece aos amassos com uma policial. "Eu devo estar ficando muito chamativo, vocês não deveriam ter deixado o mundo me encher de gás", canta o rapper, em tom irônico.
Momentos depois, ele recebe um choque numa cadeira elétrica. Logo menos, no entanto, está ao lado de Nas X, pilotando um carro da polícia e celebrando a liberdade. Todos os presidiários estão à solta, comemorando o fim das algemas e exibindo, é claro, o uniforme rosa-choque.
Dirigido por Christian Breslauer e produzido por Kanye West —outro rapper que trouxe um marcante lançamento nesta quinta—, “Industry Baby" é uma boa dose de repúdio aos engomadinhos brancos conservadores e, acima de tudo, um brinde aos diferentes tipos de prazer sexual.
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